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E agora, papa Francisco?
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

E agora, papa Francisco?

Tipo Crônica
2302demitri (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos 2302demitri

Pagar para ver no que dará não é estratégia. É burrice. E não sou um ser vivo com tamanha sensatez, capaz de enxergar isso em ocasiões em que estive extremado. Na maioria das vezes, alguém com lucidez evitou um estrago. E, hoje, agradeço a intervenção.

Em 1987, após ter concluído o primeiro semestre de Jornalismo na UFC, fui aluno da Escola de Sargentos da Polícia Militar, no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP).

Morei um ano no CFAP durante a formação do curso de sargentos, só saindo às sextas-feiras quando não estava de serviço. No quartel onde hoje funciona, na Mister Hull, o Colégio Militar da PM.

Depois, até 1992, fui sargento no 5º Batalhão em Fortaleza, no 2º Batalhão em Juazeiro do Norte, no antigo presídio do Cariri (hoje Pirc) e, na última temporada como militar, encerrei a carreira no Comando Geral da PM.

Vida de policial nunca será fácil e exige vocação amorosa pela farda ou paciência para quem foi passar uma chuva por lá à espera de uma janela de oportunidade para voltar ao mundo civil e tomar outro rumo. Meu caso.

E imaginem, em 1987, dois anos depois do "fim oficial" da ditadura militar, o que era a PM? Bem diferente de hoje, o governador de plantão nunca acenou com mudanças significativas que garantissem um cotidiano digno para quem estava nas ruas ou na guarda de presídios.

Para se ter uma ideia, como aluno da Escola de Sargento no CFAP, a primeira refeição da manhã era chá de erva doce com pão sem manteiga. E no jantar, se não fosse um sopão, eram rodelas de mortadela cozida e arroz. A minha salvação foi uma vaca mecânica que dava leite de soja (ruim) e acostumei o paladar e o estômago.

O Ceará, com a política da "ilha da prosperidade" inventada pelos empresários do Centro Industrial e Comercial, nunca desembarcou na PM. E os fardados - principalmente as praças, sempre foram tratados como "guardas" ou alguém que um dia serviria de motorista ou de segurança para a casta superior.

Para se ter outra ideia, na reserva de armamento do CFAP, durante o ano de 1987 não havia cartucho para carregar o armamento usado no policialmente de bairros ao redor do quartel.

Cansávamos de sair para a Operação Barro Vermelho, no Conjunto São Francisco, uma favela vulnerável na vizinhança do antigo matadouro do Frifort, armados de revólver e nenhuma "bala" no tambor. Aliás, naquele ano, não houve uma aula prática de tiro porque não havia cartucho.

De lá para cá, algumas coisas mudaram e outras passaram por improvisações. Por pressão de grupos da sociedade, que exigiam uma polícia menos torturadora e letal, até se ensaiou mudança na formação do PM. Mas nada que radicalmente a transformasse.

E nenhum governador de 1987 para cá mexeu, radicalmente, no soldo (salário base) dos PMs, de maneira a não os submeterem a situações ilegais. Como ter de fazer segurança clandestina, inclusive, em grandes shoppings e farmácias.

E quando os próprios policiais ensaiaram lutar por uma mudança - como aconteceu em 1987, 2011/2012 e agora em 2020 - terminaram, mais uma vez, fazendo a população de refém. Por não entenderem que polícia não é bando, braço armado ou massa de manobra de quem não sabe lidar com poder.

Se a paralisação fosse, ainda que ilegal, apenas cruzar os braços sem armas na mão, sem tomadas de quartel, de viaturas nem ordem miliciana para fechar o comércio e se mascarar porque há consciência do ilícito, até vá lá. Mas extrapolou o razoável.

Como faz falta um dom Aloísio Lorscheider! Ou um personagem isento, um papa Francisco, que consiga costurar uma solução. Entramos numa encruzilhada e que pode dar em confronto e morte.

Depois, passada a crise e espero que já esteja superada hoje (domingo), o quartel do 18º Batalhão poderá será demolido. Como simbologia de que velhos modelos não podem permanecer se arrastando em arremedos desde 1987.

 

Foto do Demitri Túlio

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