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A questão salarial virou secundária
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

A questão salarial virou secundária

Tipo Opinião
0103demitri (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos 0103demitri

Kublai Khan, imperador mongol e neto de Genghis Khan, não poderia perdoar a traição do irmão Arik (ou Ariq). O fraterno de sangue conspirava para tomar o reinado do Céu Azul dos mongóis e da China toda.

Conta a história (é uma versão sobre as narrativas que dão conta dos caminhos feitos por Marco Polo) que Kublai foi obrigado a cortar a cabeça de Arik na frente de seu exército e das tropas rebeladas do irmão. Era aquilo ou estava decretada a morte política de seu corpo conquistador.

Camilo não é o lendário Kublai Khan, está longe disso. Também não tem irmãos na polícia como acreditava, mas se sente traído pelos fardados que julgava ter conquistado o respeito após uma série de agrados feitos em dois mandatos.

Mesmo que os PMs tenham sido (e continuaram) contra a eleição de Camilo. Em 2014, quando quase toda a Polícia Militar fez, literalmente, boca de urna para Eunício Oliveira (MDB).

E, depois, em 2018, quando o então senador Eunício Oliveira e o deputado federal cabo Sabino se bandearam para o lado do governo. Mesmo assim, boa parte dos PMs - a maior parte bolsonarista - não votou no petista.

A política é meio isso: literatura, também hipocrisia, meio folhetinesca e cheia de traições e discursos de ocasião.

Se Kublai Khan tivesse poupado Arik, teria encorajado outros traidores. As insônias do imperador estavam no dilema de ter sido ou não justo ao eliminar o irmão. E em uma briga pública e testemunhada pelos dois exércitos.

Pode não ter sido justo, mas foi necessário.

O fundador da dinastia Yuan na China, antes de cortar a cabeça do irmão, se sentou com o Arik para negociar um acordo pela vida deles e dos outros.

Decidir por não anistiar os PMs amotinados e armados seria justo? Eis o sono que não dorme mais o governador do Ceará. Justo não seria. Afinal, são trabalhadores, têm famílias, casas e carreiras...

Uma condenação por motim armado e deserção os acompanhará a vida inteira. E, para a maioria, será o fundo do poço. Para alguns, talvez, poderá ser a porta de entrada ou o retorno para a política feita na base da falácia.

Não conceder anistia, porém, virou necessidade para Camilo Santana não ser derretido politicamente. Quem resolveu se tornar público, governar um Estado, também opta por ter mais insônia e carregar mais ônus.

Duas semanas depois do início da paralisação, não há questão salarial mais em jogo. Passou a ser desimportante. Neste ponto, o Governo venceu os PMs na palavra após o aval das desgastadas lideranças militares. E no torniquete contra a inexperiência de recrutas mal orientados.

A anistia é a pimenta nos olhos de todos.

Não concedê-la não aliviará as insônias de Camilo, mas o manterá vivo na política da aldeia e evitará problemas para outros governadores. É dele a decisão de sufocar, por aqui, o encorajamento de outras PMs pelo país.

E Camilo não seria tão irresponsável quanto Bolsonaro. Não iria para uma live dizer para outros governadores que o problema do amotinamento de PMs armados no Ceará não tem relação de causa e efeito com outros Estados. Nem é problema da Presidência da República.

Também não seria tão déspota quanto Romeu Zema (Novo), em Minas Gerais, que jogou contra o próprio Estado falido.

Nem o petista Camilo nem os PMs amotinados têm para onde correr. Todos ainda terão insônia por muito tempo.

 

Foto do Demitri Túlio

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