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Guarda médica nos próximos dias
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Guarda médica nos próximos dias

Tipo Crônica
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Dezoito dias depois de sermos invadidos por um vírus que acuou o mundo, parece, escapamos do risco de morrer pela covid-19. Eu e Fátima.

Ela chegou a precisar de internamento hospitalar na segunda-feira passada, 30/3. A tosse e a pouca oxigenação obrigaram-na a mudar de confinamento.

Dias depois, estava de volta. Um coquetel de medicamentos, comida rigorosamente no horário e exercícios para estimular o repuxo nos pulmões, ocupados pelo coronavírus, a reabilitaram no São Mateus.

Eu, após 14 dias seguidos de febre alta - três vezes diariamente - e dores moídas no corpo, cefaleia, disenteria e vontade de pular da varanda, vi, finalmente, a quentura do corpo pegar o beco.

Foi um alento. Em alguns dias, achei que o negócio ia entortar. Vi, na prática, como ainda se tateia no escuro em relação à prevenção, aos cuidados em casa e aos riscos de contaminação em manada.

Aqui não vai crítica ao poder público no Ceará, não. Com todas as deficiências, faz o que pode e no extremo. Camilo e RC não atrapalham, abrem picadas. Já Bolsonaro, não adianta dissecar urubu já empalhado, é pior do que o próprio vírus para o País.

Até aqui, parte da população nem empresários não entenderem alguns sentidos reais do isolamento social. Por enquanto, o confinamento serve, principalmente, para embarreirar o vírus na Aldeota e Meireles.

Lugares mais vermelhos na contaminação no mapa do Ceará e que, fechados, podem diminuir o fluxo da doença para a periferia. A Covid-19, em termo de contágio, já se espalhou por aqui e já mandou para o outro mundo gente cheia de dinheiro.

Sim, as mortes estão mais democráticas. O que pode indicar que o trabalhador que ainda está vindo para o emprego, pode ter levado a doença da Grande Aldeota para o subúrbio.

Uns, por extrema necessidade, fazem o pra lá e pra cá entre bairros. Outros, por ignorância ou pela avareza dos patrões, insistem no entrançado e se expõem ao risco da infecção e espalhamento por onde mora.

Isa, a diarista aqui de casa, não veio mais. Queria vir. Acertamos que continuaríamos pagando durante a quarentena e, depois, compensaríamos. Isso é bondade? Nem de longe. É relação sustentável de empregador e trabalhador.

Em tempos de guerra biológica, imagine se tivesse vindo trabalhar em uma casa com dois contaminados?

E é besteira esperar pelo resultado de exames pra atestar se você está contaminado ou não. O kit clássico não tem suficiente para todo mundo. E a demora no resultado pode encontrar você morto em casa sem os cuidados adequados.

Os testes rápidos chegaram, um alento. Mas, mesmo com eles, qualquer pessoa com sintomas deveria ter sido tratada como individuo infectado pela Covid-19. Sem conversa.

Nessa altura da pandemia, as influenzas e H1N1 "existem", mas não existem em casa. Entendam o que quero dizer, quem tem febre alta, dor no corpo, cefaleia, muitas vezes dor de barriga, tosse e falta de ar, não precisa de exame para ser medicado logo.

O resultado do exame da Fátima demorou 11 dias para sair. O meu, até hoje, não saiu. Lógico, o pobre do Lacen está com a capacidade além do que pode. Mas se não fosse um médico da Gênesis, doutor Ismael Pessoa, ter pedido uma tomografia dos pulmões estava sendo tratado como "virose" e sem medicamento mais ou menos adequado.

Depois de dez dias seguidos de febre alta e muita chibata do coronavírus, só então fui receitado com um antibiótico e mais o Tamiflu. Passei a ter o direito humano de ser tratado como paciente dessa pandemia da morte.

A tomografia mostrava um dos pulmões ocupados, cheio de pontos. Uma "pneumonia" injustificada para quem leva uma vida saudável, comendo normal, praticante de atividade física de impacto e outras baboseiras classe média cult bacaninha da Grande Aldeota.

O que será daqui pra frente? Não sou médico nem pesquisador. Mas sou paciente e vivi a experiência da contaminação.

O poder público precisará montar um Guarda Médica volante para avaliar e medicar quem está doente e confinado em casa, principalmente na periferia. Tem gente que não sabe manipular um aplicativo, que não sabe nem ler. Que não tem wi-fi no barraco.

Há uma interrogação quanto aos números. Se os resultados dos testes demoram uma eternidade, não é real nem o número de infectados e de óbitos. A Fátima entrou há poucos dias nas estatísticas, o Ministério da Saúde fez ligações pra ela. Ótimo. Mas estou fora da curva dos números. E quantos mais estão assim?

E quantos morreram, caso de uma senhora no ICC que foi direto da UTI para o enterramento com lençóis e tudo, por causa da "suspeita" da Covid-19? O SVO está fazendo como?

Há uma grande interrogação para quando se abrir a porteira do confinamento social e como será o comportamento do contágio entre bairros. Principalmente da Grande Aldeota para a periferia. De como o vírus vai estar e qual a capacidade de se espalhar ou estar vencido...

A guarda médica, ao estilo Rodolfo Teófilo, é um caso a se pensar com carinho. Sei que a população estourou, mas será preciso. É o hospital volante e pra tentar reter o que virá com fim ou não do confinamento.

 

Foto do Demitri Túlio

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