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Que bom te ver vivo!
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Que bom te ver vivo!

Tipo Crônica
1904demitri2  (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 1904demitri2

Queria ser da manada que acredita que o Mundo será melhor depois da pandemia. Aliás, que as pessoas se tornarão mais gente após a tragédia coletiva.

Difícil acreditar que haverá um derramamento estrondoso de generosidade com o Planeta, com um bicho, com o oceano cheio de lixo, com a divisão justa de bens e renda e o fim das favelas.

Por que, mesmo, as pessoas serão diferentes e a Terra se beneficiará do altruísmo, ressurreto, de homens e mulheres? A propaganda é que, depois do coronavírus, num gozo de consciência, o Universo amanhecerá recriado e o nirvana habitará em nós.

Até relutei em escrever estas linhas. Sei do cansaço mental produzido, também, pela pandemia de informações, pelos conteúdos falsos, por postagens a cada segundo, pela enxurrada das mensagens fofas, por um surto de lives, orações, confusões, Instagram... Mas é o que veio por hora.

Queria muito a cada hora olhar para o relógio e agradecer por estar vivo, sinceramente. Ainda mais porque virei parte da estatística dos curados. É ótimo não ter morrido e ouvir de alguém dizer "que bom te ver vivo".

Perdão, caro leitor e cara leitora, por essa crônica de domingo, mas é que a equação da suposta bonança no futuro não bate para mim. Como seremos mais sensíveis se, no nosso mundinho particular aqui, um ególatra continuará tratando o País com desrespeito, preconceito, coices, estupidez?

Sim, ele também não é tratado com afeição. Nem pelos seguidores dele, que se iludem e o iludem numa mentira mítica, nem por adversários que respondem na mesma porrada de ódio. É o impasse da morte pras duas bandas.

É quando você esgotou o sistema afetivo e embaça tudo, achando que não tem para onde correr. Claro, como somos "guerreiros e guerreiras" e sempre vamos "pra cima" e botamos "o pau e o priquito na mesa", no fim, "tudo dará certo". Está escrito na Cidade.

Não posso crer que um ser humano que trata a morte dos outros com desdém, possa carrear uma mudança nos corações e mentes de quem sobreviverá à pandemia. Não é um pedaço de calçada que se desmanchou, mas quem se perdeu da vida e ainda desfalcará alguém.

E não falo só da dor de não poder nem velar um bem querer, mas de tudo que já é ausência e o que irá se sentir falta lá na frente por causa do suplício universal.

Este texto não é pessimista, parte dele é uma oposição à macheza tosca e doentia de um autoritário querendo definir a morte dos outros. Nem que fosse uma pessoa ou os mais de mil brasileiros mortos ou os 14 mil e tantos infelizes da Itália...

Vai ser outro mundo? Claro. Não desejo a experiência anterior, mas...

Os solidários continuarão solidários. Feito uma vizinha que deixou na minha porta uma garrafa de mel das flores e das abelhas do Icapuí, enviado por outro compassivo.

Uma porrada de gente que já fazia pelo outro, seguirá fazendo. Mesmo na escassez que se pronuncia. Os amorosos continuarão franciscanos.

Só não sei se o dono da Amazon construirá UTIs no Ceará e investirá, a fundo perdido, na cooperativa dos catadores de lixo do Gereba. Falo da nova e gorda fortuna feita por ocasião da pandemia. São as "oportunidades" na crise, abestado! Repetirão os mercadistas que continuarão acumuladores.

 

Foto do Demitri Túlio

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