Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
No Dragão do Mar, turnê do disco "Desejo", Nana Caymmi cantava "Vinho guardado", a plateia acompanhou, ela começou a rir e pediu que o pianista parasse. "Eu errei porque nunca imaginei que vocês já conhecessem essa música", justificou a cantora
Passados tantos meses de quarentena, a agenda de lives segue frequente, embora sem a força de antes. Mesmo já ganhando outros formatos, o ineditismo foi substituído por certo cansaço. Apesar do esforço para parecer que são por uma causa maior, a verdade é que os palcos migraram temporariamente para as telas e esse é o pouco espaço que alguns músicos têm para seguirem sendo remunerados.
As lives também perderam o clima mambembe das primeiras semanas, mas, em sua maioria, ainda dão oportunidade para que artistas se dispam dos truques de cena e exibam aquilo que são em essência. Não é por acaso que Teresa Cristina foi entronada a "rainha das lives": ela come salgadinhos, bebe cerveja, vai ao banheiro, esquece letra, morre de rir e mostra que é gente comum. Imagine que até Roberto Carlos esqueceu a letra de "Todos estão surdos" durante sua primeira live, e apenas riu diante da falha.
Na lógica antiga da indústria fonográfica, isso tudo seria imperdoável. Tudo aquilo que sugere a falha deveria ser apagado de vez. Um baterista que atrasa microssegundos deve ser enquadrado num metrônomo. Se não consegue seguir o metrônomo, chama outro baterista ou bota uma bateria eletrônica. O cantor que, por emoção ou limite técnico, escorrega numa nota também pode ser corrigido via computador ou substituído por outro que não vai aparecer na ficha técnica (Xuxa sabe disso).
No entanto, nem toda falha é incompetência. Algumas delas chegaram até o público e em nada comprometeram a carreira dos seus autores. No histórico disco "Fa-tal", Gal Costa cai do banco em que estava sentada durante a faixa "Fruta gogoia". Ela ri e diz "isso acontece". Em "Não vá se perder por aí", algo falha e os Mutantes executam duas vezes a introdução. No disco "No Recreio", Nando Reis deixou registrada sua confusão ao cantar a quilométrica "Diariamente". "Bichos escrotos" não estava planejada no "Acústico MTV" dos Titãs, mas entrou para segurar a plateia enquanto consertavam um problema nas caixas de retorno. Cássia Eller tenta três vezes até acertar "Diamante verdadeiro" quando quis imitar Maria Bethânia no disco "Do lado do avesso".
Izzy Gordon também deixou passar um erro na letra de "New love", no magistral álbum "Negro azul da noite". Mas nada é mais hilário que um raro registro oficial em vídeo de João Gilberto, gravado no Japão, que pega o gênio da Bossa Nova tocando enquanto tenta equilibrar no rosto os óculos frouxos. A lógica da perfeição a qualquer custo marca um período da indústria musical que passou a ver toda marca pessoal como algo errado. Naquela época, gravadoras substituíram suas orquestras por teclados que simulam o mesmo som. Para alguns produtores, uma gravação deve ser límpida, cristalina e perfeita, mesmo que soe fria e insípida. Ficam para a história os artistas que acreditam na espontaneidade. E o que os torna humanos também os torna inesquecíveis.
Cantora, compositora e coordenadora do Laboratório de Música do Porto Iracema, Mona Gadelha indica cinco livros importantes para quem gosta de música. Do erudito ao eletrônico, passando pela admirável Patti Smith, confira suas sugestões.
O Enigma Do Homem Célebre: Ambição e Vocação de Ernesto Nazareth – O texto preciso e poético de Cacá Machado nos embarca para a fundação da música popular brasileira no início do século XX conduzida pela vida de Nazareth, reverberando o tempo todo nossa contemporaneidade.
Nós Duas: as Representações Lgbt na Canção Brasileira – O delicioso livro do Renato Gonçalves traz à luz o amor que não ousava dizer seu nome, trafegando por descobertas e fatos tantas vezes apagados da história, como o relato sobre o incrível trabalho da cantora, compositora, instrumentista Tuca.
Todo DJ já sambou: a história do disc-jóquei no Brasil – de Claudia Assef. Livro pioneiro escrito por uma pesquisadora apaixonada e que viveu/vive música eletrônica na pulsação do dia a dia. Tudo que se faz hoje é ressonância de quem veio antes.
Escuta Só – Alex Ross recusa o termo música clássica. Da sua juventude produzindo programas de punk no rádio a seus conceitos musicais amplos, escritos com profundidade.
Só garotos – de Patti Smith. Já se tornou um clássico, livro de cabeceira. Belíssimo, comovente, fascinante retrato de um amor/amizade entre dois artistas extraordinários e sua paixão pela vida/arte (ou o inverso também).
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