Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
A primeira edição do The Voice dedicada a vozes com mais de 60 anos encerrou deixando uma boa surpresa. Com um repertório livre para ir de Pablo Vittar ao clássico napolitano "O sole mio", o elenco mostrou que cantar é exercício de existir
No último domingo, 4, a rede Globo transmitiu a final da primeira edição do The Voice, dedicada a vozes com mais de 60 anos. Num mercado que vive em busca do novo, ou algo velho que aceite dizer que é novo, foi um deleite ver um elenco de senhoras e senhores pisando um dos palcos mais disputados do meio musical.
Por ser um programa de TV, o The Voice tem suas limitações. Os "técnicos", por exemplo, pouco acrescentam. De modo geral, seus comentários se limitam a figuras de linguagem. Mas a grande beleza do espetáculo não estava na competição. Estava na força que aquele elenco botava em cada canção.
É o caso da cantora Claudya, com mais de 50 anos de carreira, milhares de discos vendidos no Brasil, Europa e Japão, e que o tempo foi afastando para dar lugar a modismos mais lucrativos. Teve ainda a altivez de Vera Maria do Canto e Mello, 82 anos, e uma vida dedicada à música. E a grande descoberta deste colunista: Leila Maria. Que maravilha!
Esses nomes já foram bem experimentados em palcos, estúdios e concursos. Mas também tinha aqueles que estavam se mostrando pela primeira vez. Uma teve de escolher entre a música e o marido. Outro largou o que poderia ser só uma aventura e virou taxista. Outra foi ali cantar as saudades que sente da filha, falecida.
À medida que cada um contava sua história, lembrava de nomes que se fizeram existir pela música. No Brasil, Clementina de Jesus gravou seu primeiro disco já com mais de 60 anos. Filha de uma tradição que vem dos terreiros e dos quilombos, vivendo como empregada doméstica, negra e pobre, ela nunca se imaginou num palco. Quando isso aconteceu, ela se tornou a rainha Quelé.
O documentário "Soul of America" conta a história de Charles Bradley, um norte-americano cuja vida passa por fugir de casa, morar na rua, ser criado longe dos pais, subempregos e analfabetismo. Quando ele viu James Brown ao vivo pela primeira vez, montou uma banda e encarnou mestres do soul como Marvin Gaye e Otis Redding. Gravou o primeiro disco aos 63 anos.
Sharon Jones também batalhou muito até ser reconhecida. Ouviu muitas vezes que era negra demais ou baixa demais pra fazer sucesso. Foi reconhecida quando "emprestou" sua banda, os Dap-Kings, para Amy Winehouse. Largou um emprego de agente penitenciária com mais de 50 anos pra fazer shows. No documentário "Miss Sharon Jones!", tem uma cena em que ela entra numa igreja e é tomada por uma força superior. Ela se deixa levar pela música e dança. Dança como se mais nada lhe restasse. A cena era um desabafo. Assim como Charles, Sharon foi vítima de um câncer quando o sucesso estava se consolidando.
Assim como assumiu Vera do Canto e Mello, muitos estavam ali no The Voice para realizar um último sonho. Claudya foi quem resumiu a ideia: "envelhecer em festa é realmente uma coisa extraordinária". Sim, encontrar espaço, depois dos 60 anos, pra fazer música é de fato uma vitória. E muitos fazem isso pra defender mais do que suas canções. Alguns têm que defender uma história de vida.
Esta coluna é dedicada a Newton Padilha, amigo querido, cantor do Clube dos Gatos
Notas musicais
Está disponível nas plataformas de streaming o disco "Baião Erudito", trabalho do violonista cearense Nonato Luiz dedicado à obra de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga. O disco, lançado originalmente em 2004, reúne 13 faixas, incluindo "Baião de dois", que conta com a participação de Dominguinhos.
A Sony Music lança no próximo dia 30, em CD, LP e streaming, o show Pink Floyd Ao vivo em Knebworth. Gravado em 1990, o espetáculo beneficente chegou a render um disco duplo contando com outras estrelas do elenco, como Paul McCartney e Dires Straits. Pela primeira lançado em versão complete, o show do Pink Floyd (sem Roger Waters) contou com clássicos como "Wish you were here", "Money" e "Comfortably numb".
No dia 24 de abril, estreia na HBO e HBO Go, às 22 horas, o documentário "Sérgio Mendes no Tom da Alegria", sobre o músico brasileiro, revelado na geração bossa nova, e que tornou-se um nomes mais populares do mundo. O filme conta com imagens de arquivo e inéditas gravadas no Rio de Janeiro, terra natal do pianista. Entre os depoimentos, nomes como Pelé, Will.I.Am, John Legend, Carlinhos Brown e Harrison Ford.
Música lançada por Tom Zé em 1972, no disco "Se o caso é chorar", "A babá" ganhou duas versões inéditas feitar pelo norte-americano Joey Altruda. A música, escrita no melhor estilo do baiano, fala das tensões da modernidade, do capitalismo e da violência, não sem um pouco de humor. As versões "heavy dub reggae" e "Ska jamaicano", ainda conta com músicos como Marlon Sette, Kassin e Dadi.
O músico pernambucano Almério lança em maio o disco "Tudo é amor", dedicado à obra de Cazuza. O projeto da gravadora Biscoito Fino tem produção de Marcus Preto e direção de Pupillo, e mistura clássicos e lados Bs. O primeiro single é "Brasil", que ganhou uma releitura eletrorock com participação de Ney Matogrosso.
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