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Ney Matogrosso celebra 80 anos com o disco 'Nu com a minha música'
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

Ney Matogrosso celebra 80 anos com o disco 'Nu com a minha música'

Ney Matogrosso celebra os 80 anos com o disco "Nu com a minha música", onde se desobriga de revelar compositores e grava sucessos de Herbert Vianna, Raul Seixas e Accioly Neto
Tipo Opinião
Disco que marca os 80 anos de Ney Matogrosso mistura canções já conhecidas do grande público e inéditas (Foto: Marcos Hermes/ Divulgação)
Foto: Marcos Hermes/ Divulgação Disco que marca os 80 anos de Ney Matogrosso mistura canções já conhecidas do grande público e inéditas

Em 2013, Eric Clapton reuniu canções que gostava, chamou amigos (tipo Paul McCartney e Chaka Khan), foi pro estúdio e gravou sem muita pretensão. Como parte do descompromisso, chamou o álbum de “Old sock” (Meia velha) e estampou na capa uma foto que parece ter sido tirada de celular. Entre as muitas mensagens subliminares daquele trabalho estava a certeza de que o “deus da guitarra”, aos 68 anos recém-completados, já poderia se despreocupar das exigências do mercado e dos fãs.

Ney Matogrosso completou 80 anos no último 1º agosto e lançou um disco que parece seguir as mesmas ideias do músico inglês. “Nu com a minha música” é o 26º disco de estúdio do intérprete mato-grossense e chega depois de ele assumir que já não sentia mais obrigação de apresentar novos compositores. Obrigação, que fique claro. Uma vez que, se aparecer alguém que lhe chame atenção, ele não vai se negar a trazer para perto.

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Revelar novos compositores é algo que dignifica os intérpretes. Valorizar João Gilberto é mais fácil hoje do que quando a veterana Elizete Cardoso o chamou para tocar violão em “Canção do amor demais” (1958). Belchior, Milton Nascimento e Ivan Lins ajudam a salvar o repertório de muitos artistas, mas foi Elis Regina quem os apresentou ao Brasil. Da mesma forma, Ney ajudou a pavimentar o sucesso de gente como Thereza Tinoco, Luli, Lucina e Pedro Luís.

Olhando de perto a carreira dele nos últimos anos, vemos Ney Matogrosso estampando as capas de discos de Dan Nakagawa e Marília Bessy. Depois de discos em que canta Angela Maria, Chico Buarque, Tom Jobim e Villa-Lobos, ele também enfileirou trabalhos de alma mais pop cantando Paulinho Moska, Mauro Kwitko, Iara Rennó, Dani Black, Beto Boing e Criolo. Discos a fora, ele tornou-se figura fácil em singles, clipes e shows de muita gente nova ou de quem não é tão jovem, mas que segue em busca de mais visibilidade.

“Nu com a minha música” não segue esse caminho e dá continuidade a “Bloco na Rua”, disco de 2019, que mescla canções já populares, regravações da própria obra com algumas novidades. Por exemplo, faixa que dá nome ao novo disco é uma composição de Caetano Veloso lançada em 1981, no disco “Outras palavras”. A letra cinematográfica trata da vida na estrada e cai como uma luva na voz de Ney quando chega o verso “Nu com a minha música, afora isso somente amor”.

Sim, não importa o tempo, ele segue explorando a sensualidade, a sexualidade e a libido. O reggae “Faz um carnaval comigo” descreve uma pegação sem compromisso em versos como “Corre lábio em todo canto. Rolam línguas feito ondas. Tá rolando um tsunami do meu corpo com o seu”, tudo cantado bem lânguido. O mesmo em “Boca”, que ele havia gravado em 2020, em dueto com o compositor Rafael Rocha. E mais uma vez os versos: “A boca foi feita pra morder. A boca foi feita pra beija e pra lamber. A boca foi feita pra chupar, pra cuspir, engolir, bochechar”.

Um dos grandes momentos do disco é “Se não for amor eu cegue”, que Lenine lançou em “Chão” (2011). Com Ney, ela perde o arranjo minimalista, ganha mais acento pop e tá pronta pra tocar no rádio. Assim como “Espumas ao vento”, clássico do pernambucano Accioly Neto que já mereceu uma infinidade de versões. O arranjo do pianista Leandro Braga é solene, exalta a letra e Ney canta com sobriedade. Na mesma pegada tem “Quase um segundo”, uma das dramáticas baladas dos Paralamas do Sucesso que ele refez inspirado na versão de Cazuza.

“Nu com a minha música” tem ainda as quebradas certeiras de Itamar Assumpção (“Sei dos caminhos”), um item da melhor safra de Roberto e Erasmo (“Sua estupidez”) e encerra com um clássico de Raul Seixas (“Gita”). Algumas escolhas parecem não ser surpreendentes, mas talvez não fossem pra ser. Ou será que Ney Matogrosso ainda precisa surpreender alguém? Ele já fez em excesso, construiu uma das personas mais fortes da cultura brasileira e procurou ser fiel às próprias convicções. Conseguiu e já não deve a ninguém. Mas ainda vai vir a turnê, o palco, as luzes, a dança e os figurinos. E é aí que tudo vai fazer sentido e, certamente, vai surpreender.

repertório

1. Nu Com a Minha Música (Caetano Veloso)
2. Quase um Segundo (Herbert Vianna)
3. Espumas ao Vento (Accioly Neto)
4. Noturno (Vitor Ramil)
5. Faz um Carnaval Comigo (Jade Baraldo/ Pedro Luís)
6. Sei dos Caminhos (Itamar Assumpção/ Alice Ruiz)
7. Se Não For Amor Eu Cegue (Lenine/ Lula Queiroga)
8. Sua Estupidez (Roberto Carlos/ Erasmo Carlos)
9. Mi Unicornio Azul (Silvio Rodríguez)
10. Estranha Toada (PC Silva/ Martins)
11. Boca (Rafael Rocha)
12. Gita (Raul Seixas/ Paulo Coelho)

capa do disco 'nu com a minha música', de ney matogrosso
capa do disco 'nu com a minha música', de ney matogrosso

Ney Matogrosso - Nu com a minha música

Produção de Sacha Amback, Marcello Gonçalves, Ricardo Silveira e Leandro Braga
Sony Music
12 faixas
Disponível nas plataformas digitais

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Foto do Marcos Sampaio

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