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Elza Soares: Até o último grito
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

Elza Soares: Até o último grito

Tipo Opinião
Elza Soares apresenta o show "A mulher e a máquina" no Festival Vida e Arte, realizado pelo O POVO, no Centro de Eventos do Ceará (Foto: Mateus Dantas)
Foto: Mateus Dantas Elza Soares apresenta o show "A mulher e a máquina" no Festival Vida e Arte, realizado pelo O POVO, no Centro de Eventos do Ceará

Elza Soares conquistou seu espaço no mundo na base do grito. Profissionalmente, sua estrada nunca foi fácil. Apesar do sucesso e do reconhecimento, sua rouquidão e o scats (improvisos) que ela tomou do jazz, antes de saber o que era jazz, eram tidos como exagero, exibicionismo e, para uma sociedade que teima em ser racista, seria melhor que “aquela negrinha se comportasse melhor”. A reação da intérprete de “Se acaso você chegasse” foi aperfeiçoar improvisos e provar que não havia nada errado com seu canto.

Elza não nasceu para desistir e quando o Brasil encontrou uma boa desculpa para puxar seu tapete, o relacionamento com um homem casado, o jeito foi dar adeus. Ela já havia sido chamada de “filha” por Louis Armstrong, quando o mestre jazzista viu nela a própria rouquidão. No exterior, ela seguiu seu rumo, ainda gritando, se fazendo ouvir e cantando para não enlouquecer. Por aqui, ficou sem gravadora, sem trabalho e sem lembrança. Lá fora, vieram oportunidades, experiências e reconhecimento. Para quem já havia passado por todo tipo de violência, não seria um brasilsinho que a derrubaria.

De volta, pelas mãos abençoadas de Caetano Veloso, Elza precisou gritar mais para lembrar ao seu país que ela existia. E ela foi fazendo discos que chamavam atenção, mas não rendiam contratos duradouros. Ou seja, ora tinha trabalho, ora não. Certa vez, no Centro Dragão do Mar, ela tentava cantar “Meu guri” (Chico Buarque), acompanhada somente de um violão, mas a concentração era sempre roubada pelos sons dos barzinhos de fora que não estavam ligando muito para aquele palco. Elza pediu que o violonista parasse e disse: “Fui reconhecida recentemente como ‘A voz do milênio’, pela Rádio BBC de Londres”. O público aplaudiu. Depois dos aplausos, ela completou: “Mas eu não tenho uma gravadora no Brasil”. Só isso e o recado estava dado.

É muito representativo que o mercado da música tenha mudado até Elza Soares se conectar com a nova geração que aprendeu a se virar de um jeito independente. Parece uma boa forma de se vingar de um mercado que não lhe deu o devido valor. Cercada por uma turma de jovens músicos, ela conquistou novos fãs, atualizou o discurso, se reaproximou dos sons contemporâneos e fez uma sequência de discos impactantes na forma e no conteúdo. E, mais uma vez, o Brasil teve que baixar a cabeça para reconhecer o valor de sua “rainha da roda” Elza Soares.

P.S.: A primeira vez que conversei com Elza Soares, há uns 15 anos, me impressionei de como ela falava baixo. Eu dizia: “você é maravilhosa”. E ela respondia: “não, vocês que são”. Foi a única vez que lembro de ter discordado dela.

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