Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Foto: joao atala/ Divulgação
Pepe Monnerat, Letieres Leite e Sylvio Fraga durante a gravação do disco 'Moacir de todos os Santos'
Letieres Leite morreu no dia 27 de outubro do ano passado. Aos 61 anos, o laudo apontou que o maestro baiano foi vítima de insuficiência respiratória, causada pela covid-19. À época, o criador da Orkestra Rumpilezz estava mixando um novo projeto, em que lançaria seu olhar sobre as "Coisas" de Moacir Santos.
"Coisas" é a estreia solo de Moacir, compositor pernambucano e um capítulo à parte na música brasileira. Como arranjador, trabalhou na rádio Nacional ao lado de Lyrio Panicalli e Radamés Gnattalli. Como aluno, estudou com Koellreuter, Claudio Santoro e Cesar Guerra-Peixe. Como professor, ensinou Nara Leão, Sergio Mendes, Baden Powell e Roberto Menescal. Fez arranjos para Elizeth Cardoso e Vinicius de Moraes. Assinou trilhas de cinema e tornou-se uma divindade. Ao se mudar para a Califórnia, seguiu compondo, gravando, dividindo trabalhos com gente como Henry Mancini (há quem credite a Moacir o tema da "Pantera Cor-de-Rosa") e sendo cultuado por um grupo seleto.
Letieres era seu devoto e foi convidado a fazer um show baseado no repertório do famoso "Coisas". O álbum, de 1965, ganha esse título não por acaso, é por ser indefinível mesmo. Inclassificável em poucas palavras. Em 2018, ao saber desse show, Sylvio Fraga, da gravadora Rocinante, convidou o maestro a registrá-lo em estúdio. O baiano praticamente psicografou os arranjos, sem consultar os originais, de tanto que os tinha entranhados na mente. É um gênio revivendo os temas celestiais de outro.
"Moacir de todos os Santos" é um projeto ambicioso, que inclui documentário, lançamento em LP, texto de apresentação de Gilberto Gil e participação de pilares como o trombonista Raul de Souza (1934-2021) e Caetano Veloso. Este último, canta - em inglês - um dos temas mais famosos de Moacir, "Nanã". O investimento é merecido, uma vez que o álbum é mais que um simples tributo. É, sim, um diálogo entre dois músicos de relevância inconteste sobre os percursos musicais afrobrasileiros.
São sete temas de Moacir Santos que Letieres traz à terra reforçando o som das percussões. Sejam temas ritualísticos, longos improvisos, sons dançantes ou a romântica "Coisa Nº8", as faixas vão envolvendo e guiando o ouvinte para diferentes sons, climas e ambiências. A gravação usou um método inédito no Brasil, com três máquinas de fitas de 24 canais para garantir pureza a cada som.
"A conexão entre maestros negros geniais, a percussão com papel de protagonista numa orquestra, o conhecimento profundo dos ritmos das matrizes africanas permeando a construção dos sopros cosmopolitas, a dança como guia. E todo trabalho de Letieres é intrinsecamente ativista, colocando muitos pingos nos is em relação à importância incontornável que a música dos africanos escravizados tem na música brasileira", resume Sylvio Fraga em material enviado à imprensa. 57 anos separam a obra maior de Moacir Santos da despedida de Letieres Leite. As intenções foram preservadas, incluindo o respeito igualitário às erudições do jazz, do samba, da bossa e a toda música afro-brasileira, e à uma história do povo negro que fala de resistência e tradição. "Moacir de todos os Santos" aproxima o chão e o sagrado, bem como as notas musicais de dois seres superiores.
Elza Soares – Letieres e sua Orkestra estão presentes em "Libertação", primeiro single do álbum "Planeta Fome", de Elza Soares.
Zé Manuel – O pernambucano incluiu no disco "Do meu coração nu" a faixa "Escuta Letieres Leite", um áudio de whatsapp com o maestro comentando a influência da música africana na MPB.
Caetano Veloso – Do recente "Meu Coco", a faixa "Pardo" traz Caetano investigando a questão racial a partir de uma série de elementos. O arranjo é de Letieres.
Márcia Castro – O disco "Axé", em que ela reaviva a estética da axé music, Letieres dividiu a produção musical com Lucas Santanna.
Liniker – Para participar de "Índigo Borboleta Anil", sua estreia solo, a cantora chamou duas orquestras, a Jazz Sinfônica e a Rumpilezz.
Ivete Sangalo – Muitos dos sucessos da cantora foram arranjados por Letieres. "Festa", "Tô na rua" e "Abalou", por exemplo. Foram 14 anos juntos.
Maria Bethânia – "Noturno", disco mais recente da baiana, tem direção musical e arranjos de Letieres.
Rumpilezz – Filho mais ilustre de Letieres, a Orkestra Rumpilezz foi criada em 2006 e gravou dois discos.
Hermeto Pascoal – Em 2004, Letieres regeu a big band de Hermeto, com o próprio Bruxo ao piano, durante o Festival de Música Instrumental da Bahia. Para ele, foi um dos momentos mais importantes da carreira.
Gilberto Gil – Entre outras contribuições, Gil, Letieres e Rumpilezz dividiram o palco do teatro Castro Alves (BA) no show "Música & Direitos Humanos", com renda revertida para projetos sociais.
Criado a partir de um livro da professora Vanessa Domingues Silva, os músicos Roger Marza e Daniel Braga Lima lançam em 10 de junho o single "Sabedoria de Oxum". Juntando solo de sax com três atabaques, a faixa é uma homenagem à divindade afro-brasileira rainha das águas doces.
Completando 40 anos de carreira, a banda Titãs está produzindo um novo disco de estúdio. Sucessor da ópera-rock "12 flores amarelas" (2018), o álbum de inéditas terá produção de Rick Bonadio, que trabalhou com a banda no esquecido "Sacos Plásticos" (2009).
Célebre formação instrumental da música cearense, a Marimbanda lança nos streamings nesta segunda, 30, o seu disco de estreia, de 2000. O trabalho traz, entre outras, seis faixas assinadas por Luizinho Duarte, baterista falecido em abril deste ano.
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