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O batuque de fé dos afro-sambas
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

O batuque de fé dos afro-sambas

Clássicos brasileiros, os afro-sambas de Baden Powell e Vinicius de Moraes inspiram parceria de Chico Sales e Toninho Geraes
Tipo Análise
Chico Alves, Jaime Alem e Toninho Geraes no disco 'Aluayê' (Foto: João Salamonde / Divulgação)
Foto: João Salamonde / Divulgação Chico Alves, Jaime Alem e Toninho Geraes no disco 'Aluayê'

Essa história começa quando Carlos Coqueijo dá a Vinicius de Moraes um disco de cantos de candomblé, sambas de roda e toques de berimbau. O presente do jornalista, músico e jurista baiano - ex-ministro do Tribunal Superior do Trabalho - explodiu a cabeça do poetinha. Aqueles sons tradicionais, distantes da sofisticada batida da bossa nova, despertou no carioca o desejo de compor diferente.

Vinicius mostrou as gravações ao parceiro Baden Powell, que também pirou naqueles batuques. Alguns meses, litros e tragadas depois, surgiu "Os afro-sambas de Baden e Vinicius". Marco da discografia nacional, o álbum tornou-se ponto comum entre os cantores e compositores Chico Alves e Toninho Geraes, que lançam "Aluayê - Os novos afro-sambas", inspirados nos temas daquele disco de 1966.

Chico lembra de ouvir "Canto de Ossanha" ainda criança pelo rádio, no Espírito Santo, onde nasceu. Já Toninho ia diariamente a um restaurante de Belo Horizonte, sua terra, onde o disco dos afro-sambas sempre tocava. Em ambos, foi a sonoridade muito particular dos arranjos de César Guerra-Peixe que mais impactou. "A gente sabia que também precisava de um arranjador diferenciado, porque não queríamos que fosse a sonoridade típica do samba", conta Chico. "E tinha que ser alguém que tocasse bem o violão", acrescenta Toninho que, por sugestão de uma amiga, chegou a Jaime Alem.

Reconhecido pelos anos que acompanhou Maria Bethânia, o maestro foi em busca de absorver aquela estética de décadas atrás, sem cair na imitação. Mas um elemento tinha que estar presente: os vocais. A obra de Vinicius e Baden contou com um coral formado por amigos pessoais, além da atriz Betty Faria (destaque em "Canto de Ossanha") e do Quarteto em Cy. Em "Aluayê", esse papel coube ao trio Janaju, formado por Jaime Alem, Nair Cândia e Jurema de Cândia.

Se nunca foi um marido fiel, Vinicius sempre exigiu fidelidade dos seus parceiros e se ofendia quando era "traído" com outros compositores. Toninho e Chico são mais tranquilos e trouxeram pra perto Toninho Nascimento e Paulo Cesar Feital, além do próprio Jaime Alem. O resultado é um trabalho que presta homenagem ao clássico de mais de 50 anos, ao mesmo tempo em que soa original e contemporâneo.

Segundo a lenda, Vinicius e Baden ficaram três meses trancados num apartamento e criaram mais de 20 afro-sambas. "Aluayê" reúne 10 faixas, mas o violonista Marcel Powell (filho de Baden) propôs que Chico e Toninho fizessem um segundo volume. Toninho tem suas dúvidas. "É muito complicado fazer letra pra esse segmento, porque corre o risco de ficar repetitivo". Mas ele sabe da importância do tema. "Começaram a satanizar os atores dessas religiões. Esse tempo de discriminação e preconceito é uma coisa que não deveria existir, cada um procura deus à sua maneira", critica. Chico corrobora: "Eu não consigo conceber essas pessoas hoje com essa intolerância toda. Saíram de algum bueiro da história, com um repertório de ofensas, de morte. A gente precisa ir lá na história e buscar nossa ancestralidade, nossa cultura. É isso que mantém acesa a chama de um povo. Se não a gente fica perdido, sem referência".

Capa do disco 'Os afro-sambas', de Baden Powell (1990)
Capa do disco 'Os afro-sambas', de Baden Powell (1990)

Outros afro-sambas

Virgínia Rodrigues - Em 2004, a cantora baiana fez sua leitura camerística sobre os afro-sambas em "Mares profundos". Produtor do disco, Caetano Veloso participa em "Labareda".

Mônica Salmaso - A cantora paulista estreou em disco em 1995, ao lado do violonista Paulo Bellinati. No repertório, 12 afro-sambas.

Clara Sandroni e Marcos Sacramento - A dupla de cantores reuniu 13 composições no tributo "Saravá, Baden Powell" (2002). Os afro-sambas são maioria na seleção.

Baden Powell - Para corrigir a qualidade sonora do disco original, Baden regravou seus afro-sambas em disco oferecido como brinde de um banco. Em 1990, o auto-tributo chegou ao mercado com três faixas a mais (foto). Sem Vinicius, o trabalho contou mais uma vez com o Quarteto em Cy.

Céu - Dono de mais de uma dezena de grammies, Herbie Hancock convidou a cantora paulistana Céu para participar do seu disco "The Image Project". Ela sugeriu o afro-samba "Tempo da amor", ele topou e gravação foi feita em uma tarde.

Elis Regina - Fã dos sambas de Baden, a Pimentinha também registrou muitos afro-sambas em sua discografia. Depois de sua fase mais ingênua, ela registrou "Consolação" e "Berimbau" no disco "Samba eu canto assim" (1965). "Canto de Ossanha" também ganharia uma famosa versão em "Elis, como e porque" (1969).

Antonio Carlos e Jocafi
Antonio Carlos e Jocafi

Notas musicais

Atuantes desde os anos 1970, Antonio Carlos e Jocafi estão cheios de projetos. Abraçados por DJs americanos, eles seguem em Los Angeles trabalhando em shows e estúdios. E até o final do ano, chega "Alto da Maravilha", álbum de composições inéditas da dupla com Russo Passapusso (BaianaSystem).

Completando 40 anos de carreira, o Capital Inicial lança em agosto o projeto "Capital Inicial 4.0". Gravado no Rio de Janeiro, o show conta com participações de Samuel Rosa, Marina Sena, Carlinhos Brown e outros.

Dia 26 de julho, a cearense Aparecida Silvino apresenta o show "As canções, Saudades e alegrias" no Cineteatro São Luiz. Reunindo composições próprias e clássicos da MPB, ela conta com participação de Dudu Holanda (violão) e Hoto Jr. (percussão).

 

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