Tim Bernardes reúne dores, amores e saudades em segundo disco solo
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Foto: fotos? Marco Lafer & Isabela Vdd/ Divulgação
Em novo disco solo, Tim Bernardes reflete sobre o amor às pessoas, à família e à cidade
A modernidade pede pressa, cada vez mais. Tudo é urgente e pautado pela falta de tempo da humanidade. Cada segundo precisa ser aproveitado ao máximo, com o máximo possível de atividades realizadas simultaneamente. Livros viraram audiobooks e podem ser consumidos na esteira da academia. Nos streamings, maratonar virou moda para quem não pode esperar uma semana pelo próximo episódio de sua série preferida. E discos foram resumidos a EPs e singles. Afinal, quem tem tempo para ouvir um disco inteiro? Nem esse texto eu tenho certeza se você vai ter tempo para ler até o fim.
Mas até a essa pressa - que cresce e adoece crianças e adultos pelo mundo - é preciso resistir. Na contramão desse relógio cada vez mais curto, chegou às plataformas o disco "Mil coisas invisíveis". O segundo rebento da carreira solo de Tim Bernardes tem algo de antiquado quando reúne 15 faixas (uma delas com mais de seis minutos) que contam histórias, sugerem a respiração, reafirmam o amor como algo de elevação humana e a beleza algo além da imagem. "Calma, dê um espaço pra alma", resume ele em "Falta".
Também é algo muito apartado dos novos tempos quando essas faixas são dispostas numa sequência que deve ser ouvida do jeito que está. Você pode quebrar essa ordem e separar suas preferidas em playlists, mas algo vai se perder. Para deixar "Mil coisas invisíveis" ainda mais com cara de "antiquado", essas canções são pontuadas por orquestrações que remetem a algo muito profundo da alma do compositor. Mas não duvido que o ouvinte acabe encontrando algo de sua própria alma nessa profundeza.
Desde sua estreia, Tim Bernardes se mostrou como um autor conectado a muitas épocas. Ao lado da banda O Terno, ele reúne influências que passam pelo rock sessentista, afoxé, blues, indie e samba canção, tudo com guitarras distorcidas, letras melancólicas e um humor bem dosado. Em "Recomeçar" (2017), sua estreia solo, ele empalideceu esse humor, nublou melodias e pediu atenção às questões pessoais.
"Mil coisas invisíveis" segue com o mesmo sorriso xoxo, apesar de soar mais otimista em certos momentos. Um dos singles que apresentaram o trabalho, "BB (Garupa de moto amarela)" é dessas canções de amor em que você torce pra ter alguém a quem possa dedicá-la. Atento aos detalhes, um sininho chama atenção para a cegueira do amor até que violinos abrem os olhos para um sonhar acordado. Impossível não sorrir. Em seguida vem "Realmente Lindo", lançada por Gal Costa em "A pele do Futuro" (2018). A celebração do amor que chega e expulsa a tristeza engrandecendo o mundo é um dos momentos sublimes do disco.
Mas quando esse amor se esgarça, as dores não se escondem. Em "Olha", Tim aparece angustiado martelando nas teclas do piano os mal-entendidos que levam a gritos e agressões. "Quando é que foi que essa parede se ergueu entre nós dois?", pergunta ele numa tentativa de reverter a situação. Passado o término, "Última vez" fala da tentativa de conviver com esse muro, como se atravessá-lo fosse algo sem custos. "Acho que eu que fui tolo de achar que isso agora era só vontade do corpo. De pensar que a gente já tinha se superado", conclui numa letra tão cheia de veracidade que deveria vir com um alerta de gatilhos. E "Fases" evoca Freud pra explicitar a necessidade de crescer e conviver com as perdas.
O ciclo da vida, a família, o amor da avó, a cidade, o país, amar, desamar e amar de novo, muita coisa passa pelo olhar sensível de Tim Bernardes. Composto, cantado e orquestrado por ele, o álbum conta com algumas poucas participações. O que torna tudo ainda mais íntimo e pessoal. Entre violões, guitarras, percussão muito sutil, cordas e sopros, em "Mil coisas invisíveis", sons e silêncios têm a mesma importância. É possível ouvir influências de Bob Dylan e Dolores Duran, Crosby, Stills, Nash & Young e Tom Jobim. Trabalho de artesão, o álbum se preocupa menos com acabamentos e mais com emoção. Se "Mil coisas invisíveis" vai levar o ouvinte ao céu ou ao chão, depende do seu estado emocional.
Martim Bernardes, paulistano, 31 anos, vive na música talvez desde antes de nascer. Do convívio com o pai, Maurício Pereira (Os Mulheres Negras), ele apreendeu a potência da liberdade criativa, da cena independente e da mistura tropicalista que fez da música brasileira nosso melhor produto de exportação. Assinando como Tim Bernardes, ele se lançou na música como compositor, cantor, guitarrista e pianista da banda O Terno. Foram quatro discos (até agora, assim espero), até que veio "Recomeçar", seu primeiro disco solo que foi recebido com empolgação por público e crítica.
Fora da carreira solo e da banda, Tim se fez presente em uma série de trabalhos que explicitam sua versatilidade e seu talento. Composições dele, Gal Costa gravou "Realmente lindo" (e ainda o convidou para regravar "Baby" num dueto); Maria Bethânia gravou "Prudência"; e Paulo Miklos gravou "Eu vou" e "Samba bomba". Em parceria com Tom Zé e Jards Macalé, ele compôs e cantou, respectivamente, "Papa perdoa Tom Zé" e "Buraco da consolação". Como produtor e músico, vale destacar seu nome em dois discos: "Prisioneira do Amor", de Andreia Dias, um tributo a Rita Lee, e em "Azul Moderno", trabalho autoral de Luiza Lian. Gravando ainda com Lulu Santos e com a Filarmônica de Pasárgada, Tim Bernardes vem figurando em muitas fichas técnicas e derrubando muitos muros sobre o que rock, pop ou MPB. Que ele siga assim e que muitos o sigam.
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