Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Na última quarta-feira, 9, o Brasil parou diante da morte de Gal Costa. Não teve equipe de transição ou patriota fechando estrada que competisse com ela em atenção. Aos 77 anos, a baiana de imenso sorriso vermelho pegou todos de surpresa. Sabia-se que ela interrompeu a agenda de shows para fazer uma cirurgia. Mas daí a esse desfecho, ninguém entre nós, meros admiradores, poderia supor.
Fato é que Gal Costa faz parte de uma geração de artistas que vem se despedindo. Assim como Milton Nascimento, 80 anos recém-completos, já anunciou sua aposentadoria, aos poucos outros vão sair de cena. Muito já valeu ter dividido o mesmo período histórico com estes e outros nomes, como Caetano Veloso (80 anos), Gilberto Gil (80), Tom Zé (86), Paulinho da Viola (80) e Edu Lobo (79). Mas é sabido que todos, em corpo, são finitos.
Ainda assim, ao saber que uma estrela tão esfuziante, colorida e radiante como Gal Costa morre, essa finitude se mostra muito cruel. Seca demais, eu digo. Maria Bethânia, que carrega no olhar a experiência de mil séculos, não resistiu à pancada e chorou. Mais que uma pessoa, é como se fosse uma geração morrendo ali. Aliás, e que geração, heim?
Em comum, essa turma carrega uma história que é muito preciosa para o Brasil. Quando eles surgiram, o mundo era pequeno e cabia na tela da TV. O grande palco para quem queria fazer música eram os festivais. Com tudo ao vivo, sem truques, era ali que eles defendiam ideias, posturas e liberdades. Numa época de audiências menos difusas, esses programas atraiam milhares de espectadores e mobilizavam discussões nas ruas, bares e universidades. A revolução também era transmitida via satélite já que muitos aproveitaram as brechas desses espaços para disparar melodias e discursos contra uma ditadura que nos roubou 21 anos.
Esse legado de luta foi passado para a geração seguinte, identificada com o rock, que viu subir ao planalto um presidente civil depois de duas décadas. Havia uma ruptura estética, mas também uma identificação, uma admiração mútua entre os que chegavam e os que já estavam. Houve muita troca de experiências entre os novos e os mais antigos. Mas a roda seguiu girando, o mercado todo foi mudando e as novas tecnologias exigiram outras regras. A TV agora é só uma das telas que se abrem para que possamos ter contato com o que se faz no planeta inteiro. A música passou a ser parte de um negócio - bem planejado - que vende junto comportamento, moda e hábitos de consumo.
O multi-homem, testemunha ocular da história musical brasileira, Nelson Motta disse certa vez que cada época teve a trilha que mereceu. Ou seja, se os militares se incomodaram com "Roda viva" e "Carcará", a trilha do confisco das poupanças foi "Pense em mim" e "É o amor", nos anos 1990. Logo, é preciso compreender que cada época tem suas regras e suas razões. Mas o triste é que o brasileiro tem memória curta. Numa ânsia por estar na moda, vamos trocando de ídolo uma vez por semana e esquecendo contribuições importantes para a nossa cultura. Na contramão dessa lógica, precisamos preservar o legado de Gal, Tom, João, Nara, Beth, Clementina e tantos outros que construíram um Brasil. Mais do que música, eles dedicaram a vida a fazer a nossa história.
5 vezes Gal Costa
Trem da Alegria
Convidada pra cantar no disco de estreia do grupo infantil, Gal Costa chamou o afilhado Moreno Veloso e recriou "Hi li li hi lo", tema do filme "Lili" (1952). Tem um vídeo dela cantando o tema ao vivo e passando o microfone pela plateia, que é hilário.
Tieta do Agreste
Gal fez parte da trilha composta por Caetano Veloso para o filme estrelado por Sônia Braga. Além da música tema, ela brilha em "Vento" e "Venha cá". Com a voz no auge, ela soa encantadora.
Espinha de bacalhau
Convidada para cantar ao lado de Ney Matogrosso e da Orquestra Tabajara, Gal abusou dos agudos nessa composição de Severino Araújo e Fausto Nilo. O tom é tão alto que ela nem acreditou quando viu a faixa no disco de Ney de 1981.
Bossa N'Roll
Num período longe do marido Roberto de Carvalho, Rita Lee correu o Brasil com um show de voz e violão. Em uma das apresentações, ela recebeu Gal Costa para um dueto em "Mania de Você". A troca de homenagens e improvisos no final da faixa é um dos grandes momentos da MPB.
Fruta Gogoia
Em 2017, o Selo Sesc homenageou Gal Costa com um tributo dividido por Renato Braz e Jussara Silveira (foto). O trabalho percorre muitas épocas em interpretações cheias de reverência. A versão física ganhou pôster exclusivo com a obra "Bicho Gal", de Regina Silveira.
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