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Simone Mazzer critica os padrões em disco de tom político
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

Simone Mazzer critica os padrões em disco de tom político

Cantora Simone Mazzer reúne composições de Edu Lobo, Ava Rocha e Jards Macalé em disco de tom crítico, político e libertário
Simone Mazzer reúne composições inéditas e regravações no álbum 'Deixa ela falar' (Foto: Thiago_Sacramento)
Foto: Thiago_Sacramento Simone Mazzer reúne composições inéditas e regravações no álbum 'Deixa ela falar'

Simone Mazzer é um ser único dentro da música brasileira. Nascida em Londrina, ela não fez parte de nenhum movimento musical e nem quer ser associada a um estilo em especial. Seguindo os próprios instintos, ela divide a carreira entre cantar e atuar. Seu currículo nessas duas searas é vasto e já conta mais de 30 anos de atividades. Surpreendentemente, ela já tinha mais de 20 anos de carreira quando venceu o 27º Prêmio da Música Brasileira como “Cantora Revelação”. Ainda pouco conhecida do grande público, ela viveu Adelina Gomes no filme “Nise – O Coração da loucura”; participou da novela “A lei do amor” (Globo, 2017); viveu personagens de Lewis Carroll e Nelson Rodrigues no teatro; participou do The Voice; e gravou quatro discos.

O mais recente é “Deixa ela falar”, que chega dois anos depois de um tributo a Nelson Cavaquinho dividido com o grupo Semente. “A gente fez um show só com o Semente e logo veio a pandemia. Tinha outros marcados, mas todos foram cancelados”, lembra ela que ocupou o tempo de isolamento social fazendo leituras teatrais, participando de um “cabaré online” com o grupo Buraco Show, um e outro show, e maturando o novo disco.

Da homenagem a um dos grandes nomes do samba, a artista de 54 anos foi para um álbum de pegada roqueira. Resultado da parceria com o duo Ant-Art, formado por Antônio Fischer-Band e Arthur Martau, o álbum reúne 10 faixas que abordam demandas, críticas e angústias que estavam engasgadas. A faixa “Corpo”, single de 2018 que ela reapresenta em novo arranjo, resume o tema. “É sobre os corpos, e não só o gordo, mas o preto, o LGBT, o imigrante, todos que vivem à margem. Mesmo no The Voice, eu estava à margem. Tudo fugia de um certo padrão. Minha vontade de participar de um programa assim era pra mostrar que existem artistas como eu”.

Partindo deste primeiro single, Simone Mazzer buscou mais composições que encaixassem o que ela queria dizer. Entre presentes, pedidos e descobertas, ela foi montando o discurso de “Deixa ela falar”. A faixa-título, por exemplo, ela ouviu numa peça do grupo Galpão. “Quando eu mostrei isso pros meninos, a ideia de sonoridade era muito de rock de garagem, de caixa estourada. Era trazer mais a força do discurso, embora as frases não tenham nenhum polimento. É bom pra exorcizar”, comenta.

Se a composição de Lydia Del Picchia e Luiz Rocha abre o disco com muita guitarra, grito e bateria, “Olhos nus” fecha com a delicadeza de um piano e Simone cantando emocionada frases como “Olha bem pra mim que o meu corpo gigante e lindo vai te acomodar em cada dobra”. O disco, inclusive, já estava pronto quando ela ouviu esta composição de Yantó e decidiu substituir uma das faixas.

Entre o punk e a balada, “Deixa ela falar” tem climas eletrônicos como a hipnotizante “Sem lei”, que nasceu a partir de um poema que Duda Brack escreveu eu ver Simone em cena. Discoteque, com muitos loopings e interferências de samba e funk, “Corporal” é uma composição de Ava Rocha feita especialmente para o disco. “Ela fala de tudo que o disco fala e fecha tudo de uma forma leva”, sintetiza Simone, que faz da faixa uma grande celebração.

Às jovens compositoras, Simone mistura pilares da MPB, como Jards Macalé, que canta na dramática “O crime”, parceria dele com Capinam. Lançada no compacto de estreia de Jards, Simone conheceu a faixa quando escolhia repertório para um show em parceria com o compositor. “É um lado mais passional do ser humano. É muito delicada, mas é muito pungente”, analisa ela que também regrava “Arrastão”, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes que fez história na voz de Elis Regina. “Gosto muito desse arranjo, até porque são dois garotos jovens, que não viveram a Elis. Achei tão bonita a forma como eles trataram essa música. E Elis não poderiam ficar de fora, desse momento ‘deixa ela falar’. É uma artista muito importante pra música brasileira”. E Eduardo Dusek lhe deu de presente a inédita “Conta marinheiro”, parceria com Luiz Carlos Gois. “Uma música muito teatral, que tem a ver com cabaré. Uma música que tem que ter cuidado com as palavras. Ela incorpora tudo que eu gosto. Fala das mulheres que são putas”, resume Simone.

Entre o tango, o samba e o rock and roll, Simone Mazzer se reinventa e usa sua voz – expansiva e expressiva – como instrumento de denúncia, sedução e diversão. Entre a explosão e o deboche, ela vai criando ambientes para moldar o discurso em cada canção. O desafio agora é organizar tudo isso num show e, quem sabe, trazê-lo a Fortaleza, onde ela nunca se apresentou. “Estou fazendo alguns experimentos, mas o show ainda não está pronto. Estou chamando de anti-show, porque quero que contemple várias coisas que eu gosto de fazer. Por isso, está dando tanto trabalho”.

Leia também | Confira mais histórias e opiniões sobre música na coluna Discografia, com Marcos Sampaio

Emoção sem disfarce

Descobri a voz cortante e debochada de Simone Mazzer no Buraco da Lacraia, um inferninho próximo aos Arcos da Lapa, no Rio. Símbolo da noite LGBTQIA , o espaço abrigou por quase 30 anos alguns nomes inventivos das artes. Simone, em sua versatilidade cênica, representava bem a energia que pairava ali. Com técnica e emoção, a artista me ganhou pela habilidade de construir um laço firme com o público e por cantar com verdade até os sentimentos humanos mais crus (inclusive aqueles nada nobres). Desde o primeiro encontro, faixas como "Tango do Mal" e "Estrela Blue" não saíram da minha playlist. Assim como revejo sempre que posso a atuação da artista no "Nise - O Coração da Loucura". Mazzer é sopro de sensações em tempos blasés de telas distantes e diálogos frios.

Renato Abê, editor-chefe de Cultura e Entretenimento

Simone Mazzer - Deixa ela falar

Produção musical Ant-Art
Participação do duo Ant-Art e Jards Macalé
Biscoito Fino
10 faixas
Onde: plataformas digitais

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Foto do Marcos Sampaio

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