Anitta, Flora Purim, Boca Livre e a história do Brasil no Grammy
Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Anitta, Flora Purim, Boca Livre e a história do Brasil no Grammy
Grammy 2023 contou três histórias brasileiras: a de uma jovem querendo ser do mundo, a de amigos separados pela política e a de uma senhora que já não precisa prêmio para provar seu valor
O Brasil ficou tão triste com o fato de Anitta não ter saído vitoriosa na última edição do Grammy, exibida no domingo, 5, que esqueceu de olhar para o lado em busca do que se orgulhar. Indicada na categoria “Artista revelação”, a funkeira de Honório Gurgel arregimentou fãs para se entristecerem juntos. Como apontou o pianista Mu Carvalho pelo Twitter, o “não” de Anitta chamou mais atenção do que o “sim” do Boca Livre.
Pois é, o quarteto vocal carioca – com mais de 40 anos de estrada – trouxe o gramofone de ouro pra casa pelo disco “Pasieros”, com canções de Rubén Blades. O compositor panamenho é dono de uma obra política, engajada em lutas sociais. Mas o Boca Livre que foi a Los Angeles receber o prêmio já não existe. O grupo se separou em janeiro de 2021 por divergências políticas: no quente do distanciamento social, Maurício Maestro queria manter a agenda de ensaios, enquanto os demais exigiram respeitar o isolamento.
Por outro lado, foi a política que impulsionou outra indicada do Grammy 2023. Flora Purim tinha 25 anos quando viu que a ditadura militar ia calar muitas bocas no Brasil e decidiu partir em busca de sonho e liberdade. Era 1967, quando um fã rico pediu que ela escolhesse o presente que quisesse. Ela escolheu uma passagem para os Estados Unidos. Fã das divas do jazz, Flora já fazia diferença no minúsculo Beco das Garrafas, em Copacabana. Mas ela queria saber como era na terra de suas heroínas.
Sem conhecer ninguém, ela foi se embrenhando no meio musical e ainda levou o marido percussionista, Airto Moreira. A história consagrou o casal que tornou-se estrela no mundo. Eles trabalharam com lendas como Miles Davies, Gil Evans, Stanley Clarke, Stan Getz, Ron Carter e Wayne Shorter. É pouco? Pois eles também integraram a banda Return To Forever, marco do jazz capitaneado por Chick Corea. Precisa mais? Detida por porte de maconha, Flora recebeu apoio de gente como o guitarrista Carlos Santana. Eles chegaram a trocar figurinhas, um gravando no disco do outro.
No Grammy 2023, Flora concorreu com o disco “If you will” à categoria Melhor Álbum de Jazz Latino. Gravado em 2022, este álbum a levou pela quinta vez à premiação: sendo duas indicações em projetos solos. Nas outras ocasiões, eram discos de Dizzy Gillespie e Mickey Hart, dos quais ela participou, e ambos saíram vitoriosos. Mas a vida não é feita só e Grammy. A revista Downbeat, bíblia do jazz, a considerou a melhor cantora de jazz em 1973, quando ela estreou nos EUA com o disco “Butterfly dreams”, e a manteve nesse posto por mais cinco anos seguidos.
Lamentavelmente, “If you will” chega com ares de adeus. Flora, 80 anos, e Airto, 81, anunciaram a despedida da carreira com dois shows em 2022. “Nos encontramos em um outro mundo, uma outra dimensão”, despediu-se ela reconhecendo o momento de parar. A fama no exterior não se repete no Brasil, onde voltaram a morar há três anos. Aqui, eles enfrentam dificuldades financeiras, agravadas pelas limitações naturais da idade. Desde que foram para os EUA, Flora e Airto fincaram a bandeira do jazz e não arredaram o pé em busca de modismos. Construíram uma carreira frutífera, montaram muitos projetos, reuniram uma discografia extensa (separada em discos dele, dela e deles) e circularam o mundo com um som atemporal. Foram reverenciados por gigantes e tornaram-se gigantes também. Tão gigantes que o Brasil não viu.
A lista de Arthur Gadelha
Já em clima de Oscar 2023, o crítico de cinema Arthur Gadelha, do O POVO, indica cinco musicais memoráveis
Sinfonia da Necrópole (2014)
Pode soar macabro um musical ter como tema um cemitério que precisa realocar defuntos porque está lotado, assim com a cidade de São Paulo. Nas mãos de Juliana Rojas e de um elenco cativante, porém, essa história consegue encontrar até a comédia. As vozes "não profissionais" quebram delicadamente a linha entre realidade e fantasia.
Tick, Tick... Boom! (2021)
Como homenagem ao dramaturgo Jonathan Larson, esse filme da Netflix cria algo até muito simples, mas que envolve pela presença encantadora de Andrew Garfield, indicado ano passado ao Oscar de Melhor Ator. Perdeu, mas merecia ter ganhado. Na sua imitação dedicada, a brincadeira sobre deixar de "ser jovem" se afasta da tragédia.
Luneta do Tempo (2016)
Embora pouca gente cante, de fato, este é um filme dirigido por Alceu Valença - fato que denota por si só o quão essa história de cangaço é supreendentemente devota à experiência da música: do ritmo da montagem até as encenações mais próximas do teatro e do circo. A voz do Alceu, claro, ressoa do início ao fim.
Os Guarda-Chuvas do Amor (1964)
Aqui o experimento radical pode espantar até mesmo os apaixonados pelo gênero já que todos os diálogos são cantados e não há um minuto de silêncio, narrativa que parece sem meio-termo: ou entedia ou fascina. Meu caso é o segundo, especialmente por ter conseguido assistir numa sala de cinema em Fortaleza.
Ópera Sem Ingresso (2022)
Dentro de um prédio fortalezense que está prestes a ruir, Andreia Pires atravessa cinema, teatro, musical e a performance para construir uma manifestação feroz. Aqui, um grupo imenso de músicos, cantores e dançarinos que descem as escadas e cantam o barulho de um Brasil que nunca se resolveu. "No campo minado, assim trabalhar, não dará!"
Notas musicais
Intimista
Um dos melhores compositores de R&B de sua geração, John Legend recriou seu mais recente disco em uma versão de voz e piano. O álbum, já disponível nas plataformas digitais, conta ainda com releituras para Simon e Garfunkel ("Bridge over trouble water") e Sade ("By your side").
Inédito
Formada há 11 anos, a banda mineira Bistrô lançou o single "Amigo Joel", composto por Moraes Moreira e Luiz Galvão. A faixa inédita dos principais compositores dos Novos Baianos estava guardada pela esposa de Galvão. O single já ganhou clipe gravado no Observatório, em Belo Horizonte.
Solo
Guitarrista da formação clássica do Engenheiros do Hawaii, Augusto Licks fará show solo em Fortaleza, no dia 18 de março. A apresentação acontece no Meridional Convenções Center e os ingressos já estão disponíveis no Sympla. Além de cantar, ele conta histórias de sua época na banda gaúcha.
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