Laurindo Almeida, um violão brasileiro conquistando o mundo
Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Não sei se já ficou velho falar de Oscar e Grammy, afinal já contam algumas semanas desde que estrelas da indústria musical e cinematográfica correram atrás de seus prêmios. No meio dessa corrida, lembrei de um brasileiro que saiu da pequena Miracatu, interior de São Paulo, para tornar-se estrela justamente nessas duas indústrias. Ao Grammy, Laurindo Almeida foi indicado mais de 15 vezes e levou seis pra casa. No Oscar, ele foi solista em uma trilha premiada.
Filho de ferroviário, Laurindo nasceu em 1917 cercado pela música tocada pelo pai boêmio, pela mãe pianista e pelos 14 irmãos - cerca de metade morreu cedo. Do interior para a capital, aprendeu os acordes de "La Cuparsita" com um bêbado carnavalesco, o que não pegou bem em casa. Mas aí já era tarde, a música o havia fisgado.
Aos 15, ele foi convocado pra lutar na Revolução Constitucionalista, mas foi atacado por piolhos e acabou hospitalizado. Como o acaso tem das suas, foi internado que ele conheceu o violonista Garoto, que se voluntariava a tocar para as tropas. Tornaram-se amigos e parceiros. Partiu para o Rio de Janeiro, onde pediu emprego na Rádio Mayrink Veiga e teve chance de acompanhar estrelas como Carmen Miranda, Silvio Caldas e Mário Reis.
Passada a segunda guerra, Laurindo vendeu carro e casa e se mudou para os EUA. Ele já havia visitado a Europa, mas não conseguiu descer no navio com os instrumentos. Pra não dizer que deu viagem perdida, conheceu o jazz quando viu Django Reinhardt e Stéphane Grappelli tocando em Paris. Mas foi mesmo na América que nasceu a lenda Laurindo Almeida. Embora não conhecesse ninguém, nem falasse inglês, ele bateu em algumas portas e acabou entrando para a banda de Stan Kenton, uma das maiores da época.
Daí em diante, muitas portas se abriram. Gravou mais de 100 discos, incluindo parcerias com mestres como Stan Getz, Charlie Byrd, Bud Shank e Modern Jazz Quartet. Com Sammy Davis Jr., lançou um disco de voz e violão que inclui uma delicada versão de "Misty". Maior vitrine da indústria cultural norte-americana, Laurindo também entrou para o cinema em 1948, na comédia musical "A canção prometida", que contou ainda com as presenças de Nat King Cole e Louis Armstrong. Daí em diante, assinou o tema de abertura da série "Bonanza", tocou flamenco em "Nasce uma estrela", alaúde em "Os 10 mandamentos", bandolim em "O poderoso chefão". Ele também tocou na trilha de "O velho e o mar", adaptação da obra de Hemingway que ganhou Oscar de melhor trilha sonora em 1959.
Laurindo já havia perdido as contas, mas recebeu um levantamento de 800 filmes do qual participou como músico. No Grammy era outro fenômeno, já que foi premiado tanto como instrumentista quanto como compositor de jazz e de música erudita. Foram quase 50 anos morando no exterior e todo o seu arquivo pessoal e profissional está preservado na biblioteca do congresso americano, junto com as memórias de gente como Bach e Sinatra. Sua última passagem pelo Brasil foi nos anos 1990, quando tocou no Free Jazz Festival. Laurindo José de Araújo Almeida Nóbrega Neto morreu em 26 de julho de 1995, aos 77 anos.
A lista de Mimi Rocha
Concierto de Aranjuez - The Modern Jazz Quartet
É o disco que consolida a carreira internacional do Laurindo como um pioneiro nesse estilo de violão, misturando erudito, samba, música brasileira com a pré-bossa nova que ele já fazia.
Grupo D'Alma (1983)
É um dos precursores desse estilo de trio de violão com mistura de música autoral com rock, pop, jazz, erudito, folclore. O trio teve várias formações, mas essa é a mais legal com o Mozart Melo, Ulisses Rocha e André Geraissati.
The Restful Mind - Larry Coryell
Larry Coryell é um dos pioneiros da guitarra fusion e, logo no começo dos anos 1970, quando todo mundo estava tocando guitarra, ele se voltou pro violão e pras influências de música clássica, indiana, improvisação livre, meio avant garde. Esse disco é incrível por que ele pega temas renascentistas, de Bizet e Debussy, e faz variações originais dele.
Friday Night in San Francisco - John McLaughlin, Paco DeLucia e Al DiMeola
Um dos discos mais vendidos e relançados em todos os formatos. Um clássico dos clássicos. Aqui, pra turma do Ceará que começou a tocar guitarra fusion, "Guardian Angel" é uma música que a gente ficava feliz no dia que aprendia a tocar.
Violão Puro e Simples - Zivaldo
Para um cara autodidata conseguir chegar a esse nível aí que ele chega, assim como a gente tem o Nonatinho (Luis), o Zivaldo precisa ser citado. Esse tipo de composição é uma arte perdida já. A técnica de execução é perfeita.
Notas musicais
Inédito
O selo Sesc lança no dia 5 de abril um registro inédito de João Gilberto gravado em 1998 no Sesc Vila Mariana. Parte da série Relicário, o álbum com 36 músicas - uma inédita - sai em CD e em streaming. Criada para lançar registros de shows que passaram pelas unidades do Sesc, a série tem material suficiente pra se tornar histórica.
Celebração
A Universal Music está relançando em LP duplo o primeiro disco solo de Renato Russo. De 1994, "The Stonewall Celebration Concert" traz 21 canções norte-americanas, entre o pops e standarts, interpretadas pelo líder da Legião Urbana acompanhado só de seu violão e do piano de Carlos Trilha.
Parceria
Carlinhos Brown e a cantora e compositora maranhense Flávia Bittencourt lançaram o single "Amouro". A composição do baiano ganhou arranjo que mistura elementos de música flamenca e nordestina. Flávia e Brown já haviam se encontrado no disco "Volitar", produzido por eles em 2022.
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