Logo O POVO+
Phono 73: De festival de música a ato político
Foto de Marcos Sampaio
clique para exibir bio do colunista

Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

Phono 73: De festival de música a ato político

Marco na história da música brasileira, Phono 73 foi palco de muitas estreias e da luta dos artistas contra a ditadura
Tipo Notícia
Elis Regina, Chico Buarque e Gilberto Gil no Phono 73 (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Elis Regina, Chico Buarque e Gilberto Gil no Phono 73

Após deixar os Mutantes, em 1972, Rita Lee saiu buscando um novo rumo para sua música. Sem saber muito o que fazer depois de se "divorciar" dos irmãos Baptista, ela se apoiou na amiga Lúcia Turnbull e criou um projeto de curta duração chamado Cilibrinas do Éden. Embrião do que viria a ser o Tutti Frutti, a dupla estreou no ano seguinte num festival que nasceu como uma estratégia de marketing da gravadora Phonogram. Mas tomou outra proporção, principalmente por causa dos nomes envolvidos.

Fruto de um grupo de trabalho que tinha Erasmo Carlos à frente, o Phono 73 aconteceu de 11 a 13 de maio, no recém-inaugurado Palácio das Convenções do Anhembi, com uma média de 3500 pagantes por dia. Naquele ano, a música brasileira vivia uma ebulição inédita, buscando se renovar em meio à ditadura militar. Eram os anos Médici e a máquina de tortura e censura já estava estabelecida. Ainda assim, num momento de tanta efervescência cultural, comportamental e social, era impossível não aproveitar a plateia para mostrar que nossa música poderia mais.

O formato escolhido era assim: o artista entrava, cantava uma música famosa e uma inédita, em seguida chamava um convidado. Eles dividiam o palco, depois o primeiro saía e o outro ficava para repetir a sequência. Dessa forma, não só grandes shows aconteceram como duetos históricos nasceram. Um deles foi de Caetano Veloso e Odair José, que cantaram juntos "Vou tirar você desse lugar". Era o encontro inédito de um artista abraçado pela intelectualidade, mas que não vendia discos, ao lado de um compositor popular, execrado pela crítica, mas que vendia aos montes.

 

Capa do disco do Phono 73(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Capa do disco do Phono 73

Outros encontros foram mais óbvios, embora não menos importantes. Gal Costa e Maria Bethânia apresentaram, pela primeira vez, a "Oração de Mãe Menininha" (Dorival Caymmi). Jorge Ben e Gilberto Gil incendiaram com "Jazz Potatoes", num dueto que renderia, dois anos depois, o histórico disco "Gil & Jorge: Ogum, Xangô". Além de dividir um pot-pourri de jovem guarda com Wanderléa, Erasmo Carlos ainda cantou "Me acende com teu fogo", que contém um dos mais improváveis versos de sua obra ("O meu amor é tanto que eu quero ser enterrado com você do lado").

Também havia as tensões. Tendo cantado, um ano antes, nas Olimpíadas do Exército, Elis Regina foi vaiada quando subiu ao palco. E uma das cenas mais marcantes da história da MPB aconteceu quando Chico Buarque e Gilberto Gil apresentaram a nova parceria: "Cálice". Já censurada, eles substituíram a letra por sílabas sem sentido - no meio daquele emaranhado, Chico gritava "cálice". Mesmo assim, os militares invadiram sala de som e palco exigindo que os desligassem os microfones.

As noites do Phono 73 foram registradas em três LPs lançados dias depois do festival. Em 2005, esse material foi lançado num box especial em CD que trazia como grande atrativo um DVD com imagens do evento. Por conta de um acordo mal resolvido entre a produção e a equipe de filmagem (comandada pelo irmão do Boni, da Globo), o material não foi liberado na época, acabou arquivado, foi se deteriorando e o que sobrou se resume a menos de uma hora. Ainda assim, são minutos valiosos que mostram Raul Seixas enlouquecido lançando a sociedade alternativa e Caetano Veloso improvisando um happening sobre "Asa Branca", de Luiz Gonzaga. Já os shows de Rita Lee e Lúcia Turnbull, e a estreia da nova formação dos Mutantes, que tocaram por mais de duas horas, permanecem inéditos. Pura história do melhor da música brasileira.

Monica Vermes,  professora da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES e autora do capítulo
Monica Vermes, professora da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES e autora do capítulo "Rita Lee" no livro 1979, o ano que ressignificou a MPB organizado por Célio Albuquerque

A lista de Monica Vermes

2001 (1969)

O cruzamento de rock 'n' roll com moda caipira é mostra da inventividade d'Os Mutantes e traço que encontraremos também na trajetória de Rita Lee após sua saída da banda.

Ovelha negra (1975)

O hino que Rita legou a todas e todos aqueles que se sentem desajustados e sós. Atravessa gerações sem perder sua força. Para mim "Fruto proibido" é o melhor disco de Rita Lee e um dos melhores da música brasileira.

Cor-de-Rosa Choque (1982)

Uma das dezenas de músicas de Rita Lee que foram censuradas no período da ditadura militar. Hoje talvez questionaríamos algumas de suas imagens do feminino, mas sua força na época foi inegável.

Pagu (2000)

Celebração da riqueza, beleza, complexidade, enormidade de ser mulher para além de quaisquer clichês.

Tudo vira bosta (2003)

A música não é de Rita Lee, foi feita para ela por Moacyr Franco, fato fácil de esquecer e se confundir porque a canção é a cara dela. A irreverência, o deboche, a graça e o desprezo pelas hierarquias e formalidades estão todos ali.

Capa do disco de estreia de Cássia Eller
Capa do disco de estreia de Cássia Eller

Notas musicais

Relançamento

A Universal relançou em LP vermelho o disco de estreia de Cássia Eller. De 1990, o álbum mistura a vanguarda paulista com rock dos anos 1980. De Cazuza a Itamar Assumpção, o grande hit foi a releitura de "Por enquanto", da
Legião Urbana.

Alto astral

A banda A Cor do Som terá sua história registrada numa série de 10 capítulos exibidos no canal Music Box Brasil. Com mais de 40 anos de carreira, o quinteto fez fama ao fundir música pop com ritmos brasileiros. A estreia é dia 19 de maio às 22h30min.

Choro inédito

O Selo Sesc lançou o disco "Wanderléa canta Choros", onde a Ternurinha interpreta 11 clássicos do chorinho. Disponível em streaming, o álbum conta ainda com a inédita "Um Chorinho Para Wandeca", de Douglas Germano e
João Poleto.

Foto do Marcos Sampaio

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?