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Deepfake, dublês e pro tools: As mentiras sinceras do mundo da música
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

Deepfake, dublês e pro tools: As mentiras sinceras do mundo da música

Antes de Maria Rita cantar junto de Elis Regina, a tecnologia e a imaginação já ajudavam a criar aquilo que a realidade não conseguia
Tipo Opinião
Elis Regina (Foto: divulgação)
Foto: divulgação Elis Regina

Um dos assuntos mais comentados da semana foi o novo comercial da Volkswagen que uniu Maria Rita e Elis Regina, ambas dirigindo e cantando "Como nossos pais". A imagem da mãe, falecida há mais de 40 anos, foi criada usando deepfake, técnica que projetou o rosto da cantora sobre o da atriz Ana Rios. O resultado emocionou muitos e incomodou outros. Resgataram até o apoio da Volks à ditadura militar para justificar críticas àquela união estranha de Belchior, Elis, sua filha e uma Kombi. Desde que um presidente foi eleito à base de fakenews, tenho muito medo de tudo que é batizado com nome que começa ou termina com "fake". De qualquer forma, encontrar formas fake de driblar a realidade não é bem uma novidade no meio musical.

Quando o canal NBC quis criar uma banda (fake) para estrelar uma série de TV nos anos 1960, fez um anúncio em busca de jovens em que a única exigência é que fossem "loucos entre 17 e 21 anos". Assim nasceram os Monkees, que acabaram se tornando uma banda de verdade, vendendo milhões de discos de verdade. O problema é que, empolgados, eles aprenderam a tocar de verdade e queriam mostrar isso ao público. Mas os produtores preferiam chamar músicos experientes enquanto eles só dublariam.

Essa ideia de colocar gente mais experimentada atrás da cortina enquanto a plateia grita para ídolos com instrumentos desligados tornou-se a fórmula de sucesso fake do mercado. Assim como os Monkees, os Beach Boys também passaram por isso, protestaram e brigaram para impor seu jeito de tocar de verdade. Bom, mas nem todo mundo tem talento para defender. Nos anos 1980, quando as estrelas de programas infantis começaram a gravar discos, cantar não era o forte delas. O jeito era chamar uma voz tarimbada para fazer uma vozinha de criança e nunca revelar o "segredo".

Antes de Elis e Maria Rita, a tecnologia já desafia a morte há um bom tempo. Quem não lembra de Natalie e Nat King Cole cantando "Unforgettable"? Nat havia morrido 21 anos antes, mas a união de vozes ficou lindíssima. Daí em diante, a morte deixou de ser um problema. Clara Nunes ganhou um disco inteiro de duetos post mortem. A própria Elis já cantou com Ivan Lins e Milton Nascimento depois de ter passado para outro plano. Nos palcos, também surgiram shows comandados por hologramas de Elvis, Cazuza, Renato Russo e outros. Não é a morte que vai impedir alguém de fazer show.

Esses reencontros fake mexem com as emoções dos fãs, muitas vezes são cheios de boas intenções e quase sempre rendem uma boa verba. Mas às vezes o fake é fake porque é fake mesmo. Como não lembrar o famoso caso do Milli Vanilli, grupo de músicos talentosos que ficava escondido enquanto dois modelos bonitinhos faziam de conta que cantavam. Mais vergonhoso ainda foi o primeiro álbum póstumo de Michael Jackson. Fãs estranharam a voz do ídolo e a Sony teve de admitir que usou imitadores.

Mas Deus é bom e, nos anos 2000, criou plugins que afinam vozes. Pronto, está resolvido. Para realizar seu sonho de ser cantor não precisa mais se dar ao trabalho de cantar. Ao vivo, o playback ajuda muita gente que é melhor dançando do que cantando. Quanto a Maria Rita, coitada, nunca teve paz para ser a cantora que é. Sempre tem alguém puxando para ela ser "a nova Elis", embora a "velha Elis" siga sendo uma das melhores cantoras do Brasil em atividade. Maria Rita já fez uma turnê inteira com músicas do repertório da mãe, mas nem assim os fãs saudosos da Pimentinha a deixaram em paz. Segue a cobrança para que ela fale, cante, imite, pareça e esteja sempre com sua imagem ligada à de Elis. Deve ser uma honra imensa ser a única filha mulher - o que só aumenta a cobrança - de uma das maiores cantoras do mundo. Mas deve ser um peso grande também. Imagino que, em muitos dias, ela deva acordar querendo ser só a Maria Rita, cantora. E não a filha da cantora.

Alda Pessoa, bailarina, e Pedro Frota, músico, com a filha Céu
Alda Pessoa, bailarina, e Pedro Frota, músico, com a filha Céu

A lista de Pedro Frota e Alda Pessoa

Angelus (Milton Nascimento)

Disco com mais músicas na playlist que fizemos para o parto da Céu. Apesar disso ela nasceu enquanto tocava "Quem sabe isso quer dizer amor", que está em outro disco do Milton.

Gil Luminoso (Gilberto Gil)

Regravações de canções do próprio Gil, em versões voz e violão, com temática espiritual e mística. É o segundo disco com mais músicas na playlist do parto da Céu.

Luz (Djavan)

Assim como a maioria dos discos do Djavan, está cheio de clássicos. A canção que dá nome ao disco está na playlist e, assim como outras do disco, tem temática existencial.

O Mar de Sophia (Maria Bethânia)

É um álbum muito feminino, que mistura música e poesia, Bethânia e Sophia de Melo, além de exaltar Iemanjá, Oxum e Iansã.

Catavento e o Girassol (Leila Pinheiro)

O encontro das músicas do Guinga com as letras do Aldir Blanc e as interpretações da Leila Pinheiro gerou uma das maiores obras primas da música popular brasileira. 

FORTALEZA, CE, BRASIL,27-09-2019:Azuis com Mona Gadelha, cantora.  (Foto: Fabio Lima/O POVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL,27-09-2019:Azuis com Mona Gadelha, cantora. (Foto: Fabio Lima/O POVO)

Notas musicais

Dia do rock

Na próxima quinta, 13, Mona Gadelha lança o livro "Perfume Azul - Transgressão na Fortaleza dos anos 70", sobre a banda cearense que misturou rock, glam e psicodelia em Fortaleza. O lançamento acontece no Centro Cultural BNB (Rua Conde d'Eu, 560 - Centro) com debate e pocket show.

Novidade

A cantora cearense Kátia Freitas promete para este ano um novo disco. Destaque da música local nos anos 1990, ela já fez show com músicas inéditas, mas seu último trabalho é de 2002, o álbum “Próximo”.

Rita Acústica

Mal chegou e o LP "Rita Lee Acústico MTV" já esgotou. O lindo show de 1998 ganhou reedição inédita pela Universal Music em LP duplo, cor laranja marmorizado. A capa tem sido criticada pela má qualidade da imagem, mas o som é exatamente o que se espera da rainha do rock.

Foto do Marcos Sampaio

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