As memórias luso-cariocas de Moacyr Luz e Pierre Aderne
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Foto: AF Rodrigues/ Divulgação
Moacyr Luz e Pierre Aderne: memórias entre cidades
Difícil encontrar um brasileiro que não guarde na memória alguma referência do Rio de Janeiro. Seja a saudade de alguma visita ou uma imagem vista na TV, a Cidade Maravilhosa é uma lembrança de domínio público no Brasil e em boa parte do mundo. Do Cristo às curvas do calçadão de Copacabana, é farta a mitologia em torno do berço da bossa nova. Mas pra quem mora lá e já esquadrinhou aquelas ruas cheias de botecos e sotaques, existe um Rio mais íntimo e particular.
É essa cidade cheia de proximidades que os compositores Moacyr Luz e Pierre Aderne apresentam no disco "Mapa dos Rios". O plural do título se justifica porque este Rio de Janeiro aparece banhado pelas águas do Tejo, célebre rio de Portugal, onde há décadas mora Aderne. Do samba ao fado, o disco vai passeando por ruas e entrelinhas das capitais carioca e lusitana.
Esse passeio começa com "Sete colinas", definida por Moacyr como a faixa mais "fusion" do disco ou um "jazz geográfico", o que na verdade é um samba-canção que fala de Amália Rodrigues, Fernando Pessoa, pedras portuguesas e outras riquezas de Lisboa. "É como um Rio de Janeiro bem português. Dos botequins, dos palavrões, dos personagens que foram permeando esses caminhos todos", elenca Pierre, que se inspirou nas sextilhas e decassílabos da poesia portuguesa misturada à literatura de cordel.
Já "Gastão Bahiana" é Rio de Janeiro puro. A rua que dá nome à faixa vai de Copacabana à Lagoa Rodrigo de Freitas. Nesse caminho, eles falam de símbolos cariocas - Vista Chinesa, Jardim de Alah, Pão de Açúcar - e encontros que ficaram na memória de Pierre. Por exemplo, quando deu carona para Tim Maia, que tinha acabado de comprar um jipe de guerra e precisava de alguém que levasse o automóvel até sua casa no Recreio dos Bandeirantes. Ou quando viu Tom Jobim numa banca de jornais. Ele conta que ficou preocupado em como abordaria o maestro. Tratou de pegar um livro com poesias do russo Maiakovski e foi bisbilhotar o que Tom estava lendo: era uma prosaica revista sobre futebol.
Antes de mudar para Portugal, Pierre Aderne morou em muitos endereços do Rio de Janeiro. Só em Copacabana ele conta mais de dez, incluindo a avenida Prado Junior, que ele lembra como "a meca do baixo meretrício". A faixa dedicada a esta área tão famosa pelas diversões adultas é marcada na caixa de fósforo. Na letra, que mais parece uma crônica, ele fala de quando jogou no Liverpool, morou em pensão e foi feliz no Pavão-Pavãozinho. Hoje, morando na Europa e ganhando em euro, ele não nega que, "se a vida tiver bis, quer nascer de novo em Copacabana".
Antes de cair no "Fado Gira", é "Vidigal-Cais Sodré" que faz a travessia do Atlântico. Moacyr canta esse diário de viagem que encontra Luís de Camões, Pedro Álvares Cabral e uma benzedeira, passa por navios negreiros e chega ao bairro de Alfama, onde fica o castelo de São Jorge. Chegando a Portugal, Pierre Aderne homenageia a mãe, falecida em 2007. "Eu disse pra minha terapeuta que queria ter falado mais coisas pra ela. E ela me disse: 'Então faz uma música'". Assim nasceu "Santo de mãe".
Moacyr, carioca e sambista nato, fez a letra de "Sal de outro mar", mais uma sobre saudade, e compôs "Mamãe Oxum" em homenagem à "veia baiana" do parceiro. "Eu não sou ligado em nada, mas acredito em tudo. Quem é brasileiro mesmo entra na igreja e faz um despacho pra exu. Essas matrizes todas se encontram", explica Aderne, que é filho de pai português, francês de nascença e criado no Rio de Janeiro. Em "Mapa dos Rios" ele encontra o parceiro perfeito para celebrar o sincretismo religioso e cultural de duas terras ligadas pela história. A melancolia, traço tão ligado da música portuguesa, é presença marcante nas 11 faixas desse disco tão cheio de lembranças cariocas.
Rio 40 graus (Fausto Fawcett/ Carlos Laufer/ Fernanda Abreu)
Quando chega o verão no Rio, inevitavelmente me lembro do refrão "Rio 40 graus, cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos". Hit da Fernanda Abreu que marcou os anos 90.
Aquele abraço (Gilberto Gil)
Contrariando as más notícias, escutar "Aquele abraço", composta pelo Gil, me faz pensar no lado bom do Rio e sentir que ele continua lindo.
Saudades da Guanabara (Paulo César Pinheiro/ Moacyr Luz/ Aldir Blanc)
Composição de Moacyr Luz, "Saudades da Guanabara" é um hino da cidade em forma de oração: "Brasil, tira as flechas do peito do meu Padroeiro. Que São Sebastião do Rio de Janeiro ainda pode se salvar". Sempre emociona.
Samba do Avião (Tom Jobim)
Quando fico muito tempo sem voltar ao Rio, ao avistar a cidade de cima do avião, confesso que muitas vezes me vem aquele momento clichê com a canção do Tom Jobim: "Minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro...". É o samba do avião.
Partido alto (Chico Buarque)
Difícil escolher só uma música do Chico Buarque que fale do Rio. Mas adoro a versão da Cássia Eller em "Partido Alto". "Na barriga da miséria nasci brasileiro, eu sou do Rio de Janeiro".
O violonista cearense Cainã Cavalcante está na Itália, onde gravou um disco em parceria com o multi-instrumentista Sandro Haick. Dos músicos mais talentosos da cena instrumental brasileira, o último trabalho de Cainã foi "Sinal dos Tempos" (2021), um tributo à obra de Garoto.
Agenda
O Cineteatro São Luiz promete excelentes shows para os próximos meses. Dia 6 de agosto tem Mestrinho e Hamilton de Holanda; 20 de agosto, tem a cantora paulista Juçara Marçal e os grupos franceses Abajur e Rrêve Sélavy. Em seguida tem Zé Manoel e Amaro Freitas tocando Clube da Esquina, e ainda o violonista Yamandu Costa.
Em Família
Edinho Vilas Boas se prepara para uma pequena turnê por Minas Gerais ao lado dos filhos Yayá e Vinicius Vilas Boas. Os shows, que misturam canções autorais e homenagens a ídolos da MPB passam pelas cidades de Tiradentes (30/07), Belo Horizonte (03/08) e Perdões (4 e 5/08).
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