Rodger e Vitoriano criam ópera de sensações em parceria inédita
Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
São muitas as razões que podem levar alguém a gravar um disco, nem sempre sendo o desejo de seguir uma carreira regular de composição, gravação e apresentações. Às vezes é só uma data especial ou o incentivo de amigos. Quando uma gravação, feita sem grandes expectativas, torna-se um marco, algo importante para um grupo ou uma época, tem-se uma questão: o que fazer com a expectativa do público?
É mais ou menos que aconteceu com Rodger Rogério desde que, na sequência do Pessoal do Ceará, lançou o impactante "Chão Sagrado" (1974). Teve álbum ao vivo, EP, muitas participações em projetos alheios, um retorno frequente aos palcos, mas algo ficou pelo caminho. Para onde seguir com um novo disco? A resposta quem deu foi Vitoriano, com quem o autor de "Retrato Marron" acaba de lançar "Instante Zero ou o Primeiro Sinal Luminoso". O disco, lançado na sexta, 15, nas plataformas de streaming, foi apresentado domingo, 17, no Theatro José de Alencar, para um público de volume mediano e atenção roubada por cerca de 90 minutos.
Rodger, do alto de seus 79 anos, trazia um sorriso que não cabia no rosto. Ele foi o último a entrar no palco, recebido com palmas dignas do seu valor. Ao seu lado, Vitoriano dava um apoio carinhoso, sabendo que aquele trabalho tinha valor histórico em uma cidade que trata tão mal artistas que não seguem as regras do mercado.
Nos teclados e voz, Vitoriano estava atento a cada necessidade de Rodger, numa interação mesclada com admiração, troca de aprendizados, influências e afinidades. "Primeiro Sinal Luminoso" é um apanhado de sons que cruzaram décadas, se reinventaram e chegaram aos dias de hoje revigorados. É “rock psicodélico nordestinizado vintage feliz e pop”.
Em alguns momentos era claro saber onde estava a mão de Rodger e a de Vitoriano em cada composição. Mas na maior parte do repertório, quase todo inédito, era amálgama pura. A banda que acompanhou a dupla trazia como destaque a bateria precisa e econômica de Rami Freitas. As guitarras de Plínio Câmara e Vitor Cozilos estavam límpidas, cristalinas, cortando o ar do teatro como esse fosse feito de pudim. No baixo, Glauber Alves completou o time e segurou a base onde se sustentava o show. Colocar duas das principais cantoras da cena local para fazer vocais em poucas faixas soou pequeno. Luiza Nobel e Lorena Nunes têm muito mais voz e presença do que lhes foi pedido, mas não comprometeu o todo. Que, depois da estreia elas ganhem mais espaço no espetáculo que não pode parar.
Passando pelo repertório, como já disse, quase todo inédito, seguem alguns destaques. "Vigorar" e "Febre noite quente" têm cara de single, com refrãos fortes e ganchudos. Entre elas, a segunda se adéqua melhor ao todo. A viajante "Instante Zero", escolhida para abrir os trabalhos, parece ter sido feita para a voz de Rodger, que desliza seu timbre particular sobre uma letra recitativa em dueto com Vitoriano. "Flutua terra" é um baião lisérgico, pontuado por teclados vintage.
Talvez a mais surpreendente seja "Saudade sangue medo", de Rodger e Clodo. A melodia cheia de avanços e retrações, chega a sugerir uma dança e recua, enquanto as vozes correm atrás da métrica. Da tensão ao alívio, o resultado é uma composição cheia de personalidade. E tem ainda "Preguiça", dessa vez de Rodger com Ricardo Bezerra, um hino à procrastinação em forma de blues arrastado e bem humorado. "Pedra fundamental", de Rodger e Vitoriano, também é um blues, que no disco ganhou a gaita de Danilo Carvalho. Cantada só por Vitoriano, "O mago" é uma balada de ares medievais, levada nos teclados e violão, este tocado por Cristiano Pinho.
"Instante Zero ou o Primeiro Sinal Luminoso" reserva experiências diferentes no disco e no show. Mas as intensões estão mantidas. Um álbum obrigatório que merece sentar ao lado ao lado da discografia clássica do Ceará e ganhar terreno além dos limites do Estado. Cada música parece um susto, com melodias tortuosas, letras cheias de imagens, colagens e ideias transcendentes. Nada parece estar ali por acaso. E a cada nova audição, surgem novos sons, novos arrepios e novos sustos.
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