Resenhas tardias 1: Relembre o que foi destaque na música em 2023
Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
De 26 a 29 de outubro, o Centro Cultural do Cariri recebeu a primeira edição do festival multicultural Unaé, que tinha como subtítulo "Sonhar o Cariri". Exposição, teatro, dança, debates, videomapping, formações faziam parte de uma programação que ocupou boa parte do equipamento que é gigantesco (como manter aquilo tudo a longo prazo?). E o espaço foi tomado por crianças, jovens e adultos, todos muito dispostos a aproveitar o máximo do que estava oferecido naquele ambiente de cores, redes armadas, barracas de comida e (muita) gente circulando.
A parte musical apostou num público adulto, antenado e diverso. Do forró ao rap, foi uma grata surpresa conhecer os Zabumbeiros Cariris, com seu som tradicional que antecipa tantas modernidades, e a cantora Kaê Guajajara, já buscando uma performance profissional, ensaiada e conectada com o momento. Além destes, teve a experiência valente de Cátia de França; Luedji Luna, com repertório chic e performance ainda insegura; o encontro histórico de João do Crato (incrível), Abidoral Jamacaru (focado) e Pachelly Jamacaru (deslocado); Ferve recebendo um Felipe Cordeiro solando com vontade na guitarra; o furacão insuperável do Francisco El Hombre; e Liniker, pronta para sentar ao lado das grandes estrelas da MPB, encerrando a turnê "Índigo Borboleta Anil" em estado de graça.
O modelo que se aponta para os grandes festivais é esse, misturar estilos, públicos, idades e linguagens. Assim como juntar a diversão com o discurso engajado. O Festival Unaé captou esse espírito e promoveu uma festa inclusiva, plural, colorida e terrivelmente divertida. Se só o Centro Cultural já é uma atração em si, o espaço também é grande o suficiente para virar um desafio - tanto que, embora houvesse uma multidão, não era difícil encontrar momentos e locais vazios. Mas esse foi o primeiro e, mais uma vez, o Cariri mostrou ser uma terra surpreendente na hora de dar e receber cultura.
Jards Macalé - Coração bifurcado
Depois de um revigorante álbum de inéditas ("Besta fera", 2019) e de um divertido encontro com João Donato ("Síntese do lance", 2021), Jards Macalé reúne o melhor desses dois mundos em seu 13º álbum de inéditas. Vindo depois de atravessar alguns sérios problemas cardíacos, o carioca celebra a vida, o amor e a recuperação com um disco soturno e feliz, cheio de ótimos momentos. A começar por Maria Bethânia cantando soberana em "Mistérios do nosso amor". A melancolia latente de "Grãos de Açúcar" é algo que só pode sair da cabeça privilegiada de Macalé. O álbum tem ainda Ná Ozzetti, Nara Leão (em faixa inédita), Rodrigo Campos, Guilherme Held, Dino 7 Cordas e um time estelar de convidados. Um dos grandes momentos da música em 2023.
Zé Ibarra e Julia Mestre
Após dois anos de elogios, prêmios e festivais, o Bala Desejo acabou. E do quarteto, dois nomes já lançaram trabalhos solo. Zé Ibarra estreou com "Marquês, 256", álbum que vai ao essencial de cada canção. Com violão ou piano, ele veste canções de Guilherme Lamounier, Paulo Diniz, Caetano de dramaticidade, lirismo e melancolia. Intérprete cheio de recursos, Ibarra fez um disco sucinto (27 minutos), para ouvir no escuro, com atenção.
O contrário fez sua parceira Julia Mestre. "Arrepiada", seu segundo rebento, é pop, feliz e expansivo. A faixa título cheira a Rita Lee, mostrando que suas bases são das melhores. Dona de uma voz curtinha, ela sussurra e sensualiza em "Chuva de caju", que tem um pé no baião. Fruto da pandemia, "Forró da solidão" conta com a sanfona de Marcelo Jeneci. E o jogo segue com synthpop ("Meu paraíso"), reggae ("Clama floresta"), bolero balada ("Deusa inebriante") e outras aventuras musicais.
Corinne Bailey Rae - Black rainbows
Há 16 anos, Corinne Bailey Rae fez fama com um som doce, pop e sedutor, ora feliz, ora amargurado. Essa artista ainda vive neste quarto álbum, mas não soa como antigamente. O novo álbum é inspirado num museu de história negra que fica em Chicago e chega carregado de histórias, ancestralidade e vontade de se expressar. Tem jazz sofisticado, punk gritado, beats e guitarras distorcidas. Muito experimentalismo para dar conta de uma mensagem que não se esgota. Nada tão leve quando "Put your records on", mas tudo tão interessante quanto.
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