Logo O POVO+
Baby do Brasil encerra Carnaval com voz firme e discurso ultrapassado
Foto de Marcos Sampaio
clique para exibir bio do colunista

Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

Baby do Brasil encerra Carnaval com voz firme e discurso ultrapassado

Baby do Brasil encerrou o Carnaval de Fortaleza deixando claro que qualquer folia será palco para sua fé. E faça piada quem quiser
Tipo Crônica
Baby do Brasil encerra Carnaval de Fortaleza juntando rock, fé e homenagens (Foto: Davi Rocha/ Especial para O POVO)
Foto: Davi Rocha/ Especial para O POVO Baby do Brasil encerra Carnaval de Fortaleza juntando rock, fé e homenagens

A semana começou complicada para Baby do Brasil. Em encontro com Ivete Sangalo no bloco Coruja, em Salvador, a "nova baiana" recebeu o microfone nas mãos e aproveitou para anunciar um apocalipse que estaria chegando em 5 ou 10 anos. Atônita, a dona do bloco recuperou o clima da festa dizendo que iria "macetar esse apocalipse", puxando em seguida seu hit do momento. A cena virou o assunto da semana, mas quem conhece a autointitulada popstora deve saber: Dê o microfone para Baby se quiser, mas saiba que ela vai pregar sua fé independente de parecer loucura ou não, soar caricato ou não, ser ou não condizente com o local.

Algo semelhante aconteceu em Fortaleza na terça-feira, 13, no encerramento do Ciclo Carnavalesco. Para um Aterrinho que foi se esvaziando após o show apoteótico de Maria Rita, Baby chegou com uma banda formada por bateria, dois tecladistas, dois guitarristas e um baixista que valia por dois. A postura era roqueira, com muito solo, peso e zoada. O repertório era curioso e juntava, além do que ficou clássico em décadas passadas, peças de Vivaldi, Mozart, Chopin e outros desse nível.

Cantando como poucas, ela provou que a voz segue super firme e preservada nesses 71 anos de vida e berro. Mas isso não impediu uma certa desconexão entre palco e público. Logo no começo, ela tentou brincar com uma notícia que havia saído na imprensa dizendo que ela chegou a Fortaleza numa cadeira de rodas. A explicação foi confusa, mas ela deixou claro que não precisa do instrumento sambando e passeando por todos os cantos do palco. E seguiu cantando e soltando pequenas doses de sua pregação religiosa, sem muita preocupação sobre ali ser o local ideal ou não - inclusive, não faltou gente perguntando se o show seria "crente". Não foi.

Curiosamente, fé e crença religiosa também guiaram o repertório de Maria Rita. Mas ela preferiu deixar o repertório falar por si. Convertida ao candomblé há poucos anos, ela celebrou santos e orixás sem exigir a concordância de ninguém. Com um apanhado de sambas que fizeram fama na sua e em outras vozes, a filha de Elis Regina evocou a mãe, Clara Nunes, Beth Carvalho, Alcione e muitas outras divas da batucada. De cada uma, Maria pegou emprestado uma faixa que se adequasse ao seu discurso.

Para ela, o assunto não era só saber em que religião você acredita, mas em que tipo de humano você acredita. Em "O bêbado e a equilibrista", Maria trouxe para o fundo do palco a imagem de Marielle Franco (1979-2018) enquanto lembrava daqueles que "partiram num rabo de foguete". Antes de "Cara valente", ela contou que foi há 7 anos, em mais um show no Carnaval de Fortaleza, que a plateia dedicou versos como "ele não é de nada" ao ex-presidente Bolsonaro (a plateia desse ano puxou o coro de "sem anistia"). E Maria Rita seguiu seu show falando do drama dos índios e outras mazelas brasileiras, tudo sem perder o rebolado de um show feito para foliões.

Maria Rita saiu emocionada sob uma chuva fina que inventou de cair nos últimos instantes e sob uma tempestade de aplausos da plateia. A experiência de Baby deveria tirar de letra o desafio de manter a plateia acesa. Mas a niteroiense parecia tensa, na defensiva. Pediu insistentemente mais volume do microfone, falou que não ouvia a plateia e exigia mais ritmo do baterista. Arriscou um discurso feminista, mas escorregou em algo anacrônico. Mas, sim, também garantiu momentos bonitos. Homenageou sua amiga Rita Lee e Tina Turner cantando "Mania de você" e "Simply the Best", duas belas surpresas da noite. "A menina dança" é e sempre será algo sublime de ouvir, assim como "Menino do Rio". O encerramento foi com "Brasileirinho", versão injetada de peso, ritmos, virtuosismo e uma interpretação que mais ninguém arriscaria.

Comparar Baby do Brasil e Maria Rita é desnecessário. Maria Rita vive um momento iluminado com seu show "Samba de Maria". Ela entendeu bem que o papel do samba é levar diversão e consciência ao povo. Sempre foi assim e assim ela quis fazer em seu show de Fortaleza. Baby tem uma missão que considera mais importante, que é levar sua religião ao seu público a qualquer custo. A cantora segue tecnicamente incrível, mas o discurso cai facinho em algo demasiado conservador e deslocado.

Indiana Nomma, a melhor surpresa que Guaramiranga poderia oferecer
Indiana Nomma, a melhor surpresa que Guaramiranga poderia oferecer

Indiana Nomma, a melhor trilha do Carnaval

Depois de anos sem vir ao Ceará, era grande a expectativa de rever Egberto Gismonti. Esse reencontro aconteceu na noite da segunda-feira, 12, na 25ª edição do Festival de Jazz e Blues de Guaramiranga. A plateia lotou a Cidade Jazz e Blues, como é chamada a tenda montada para receber a programação que abriu na sexta-feira, 9.

Aguardado como uma das grandes atrações do evento, Egberto fez um show que dividiu opiniões. Ao todo, foram apenas 5 ou 6 canções que funcionaram como trilha para uma longa conversa que passou por sua infância na cidade carioca de Carmo e por muitas experiências como gigante da música brasileira no mundo. Somente ao piano, ele interpretou peças famosas, como "Palhaço" e "Carinhoso", entre outras poucas. Foi encantador, mas pouco para tanta expectativa.

Encantador mesmo e acima de qualquer expectativa foi Indiana Nomma, cantora hondurenha que dividiu o palco com o pianista Osmar Milito na tarde da segunda. Com muita técnica e simpatia, ela desfilou clássicos de Gershwin, Cole Porter e outros desse patamar com um sorriso cativante e uma voz digna das grandes divas. Naquele instante, não existia outra cantora no mundo, só Indiana.

A programação contou ainda com Nico Rezende e Jane Duboc misturando (divertidamente) Chet Baker com trilhas de novelas; o guitarrista paulistano Igor Prado recebendo o virtuoso cantor e gaitista norte-americano Omar Coleman num set de blues, soul e suingue; Rodger Rogério, homenageado do Festival, misturando suas canções com joias da bossa nova e do samba-canção; o violonista cearense Manassés ao lado do gaitista Pablo Fagundes numa interação muito bonita que encerrou a programação em alto nível. Outros shows não pude ver. Fora essa programação, teve o Odilon com o melhor do rock mundial exibido numa TV pregada na parede. E que venha (logo!) o 26º Festival de Jazz e Blues de Guaramiranga.

 

Foto do Marcos Sampaio

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?