Céu segue explorando texturas, mas vai direto ao ponto em 'Novela'
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Chegando à terceira edição, o Zepelim acontece em agosto, no Marina Park. O evento segue o modelo repetido em diversos festivais pelo Brasil: misturar todo tipo de atração para atrair todo tipo de público e garantir todo tipo de venda. Assim na edição de estreia, em 2022, tinha o rock comportado dos Selvagens a Procura de Lei, o rebolado da Luiza Sonza, o tremor do BaianaSystem e toda a história de Alceu Valença.
Entre os nomes confirmados para 2024, Céu chega com porte de veterana peso leve trazendo o repertório de um dos seus melhores discos até aqui. "Novela" é uma seleção de 12 canções inéditas, quase todas de própria autoria, que trazem o molho, a languidez, o calor e a mistura de sons que a paulistana vem explorando em quase 20 anos de carreira fonográfica. Essa mistura é feita de soul, afrobeat, reggae, pop, rock, bossa, funk, dance, samba, tudo filtrado por ideias atemporais sob um olhar contemporâneo.
"Novela" é o primeiro trabalho de Céu pós-pandemia, quando a porção compositora cedeu espaço para que a intérprete brilhasse em dois trabalhos de releituras: um de canções próprias ("Acústico") e outro de repertório diverso ("Um Gosto de Sol"). Em estética e sonoridade, o sexto trabalho inédito da artista de 44 anos se aproxima mais de "Apká" (2019) do que dos anteriores. Em ambos, Céu se mostra solta para experimentar, mas focada no que as canções têm a dizer. Nem tantas texturas como em "Vagarosa" (2009), nem tão direto quanto "Caravana Sereia Bloom".
A produção é assinada a três mãos: Céu, Pupillo (parceiro de vida e de palco, percussionista e baterista do álbum) e Adrian Younge, arranjador e multi-instrumentista norte-americano que já trabalhou com Snoop Dogg e Kendrick Lamar. Concebido nos EUA, "Novela" foi gravado em fita, sem muitas modernices e com o núcleo duro da banda tocando ao vivo no estúdio. Essa experiência, tão antiga e tão moderna, é percebida na contagem inicial e na limpidez dos pratos e da percussão de "Raiou", faixa de abertura que seria um samba clássico, não fosse o olhar diverso da paulistana. Esse olhar segue no balanço de "Cremosa", na languidez de "Crushinho", na paixão de "Mucho ôro" e na malandragem de "High na cachu".
A faixa-título "Into my Novela" reúne tantos elementos que parece uma ópera: os vocais são divididos com os norte-americanos Loren Oden e Jensine Benitez. A letra, parte em inglês, parte em português, começa toda quadrada, silabada, até ganhar ares de balada black setentista, como se Donna Summer encontrasse a Nação Zumbi em algum boteco do Rio de Janeiro. Uma das melhores do álbum, "Buá Buá" brinca com a estética do bolero, desde as maracas sintetizadas até a história de amor dramático.
"Corpo e colo" é a única faixa que não leva o nome de Céu na composição. A balada com ares de Tim Maia foi escrita por Nando Reis (a letra não nega) com Kleber Lucas, compositor e pastor evangélico. E tem "Reescreve", parceria dela com o mestre Marcos Valle que fala sobre negacionismo e apagamento de fatos históricos. Para fechar, o álbum traz "Vinheta Dorival II", cuja primeira parte está lá no disco de estreia, de 2005. No entanto, "Novela" preserva as ideias, influências e intenções daquela época. Mas olhar de Céu se expandiu e ela está mais certa do que quer dizer.
Sete anos depois de "Mano que Zuera" (2017), João Bosco retorna com um disco de inéditas. Lançado após o revisionista "Abricó-de-macaco" (2020), "Boca cheia de Frutas" (Som Livre) fala da relação do homem com a natureza, a ancestralidade, a história, o território e outro humano. São 11 faixas, 10 delas inéditas. A exceção fica para a releitura personalíssima de "O cio da terra", de Milton Nascimento e Chico Buarque, que vem unida à faixa-título, parceria de João com seu filho e fiel parceiro desde 1997.
Mesmo com a já longeva parceria com o filho Francisco, João Bosco é sempre lembrado pela obra que criou ao lado do letrista Aldir Blanc (1946-2020). O poeta, falecido nos primeiros instantes da pandemia, é duplamente relembrado aqui. A faixa "E aí?" é uma parceria inédita sobre desencontro e João representa a ausência do amigo introduzindo a canção, uma bossajazz elegante, com um assovio que faz lembrar "Vida noturna" e "Me dá a penúltima", frutos da parceria que Aldir gostava. Ele volta a ser tema da faixa "Gurufim", que João faz só com seu violão.
Se Aldir não está mais por perto, o violão, outro companheiro de João Bosco, permanece fiel. É ele quem quase chora na melancolia arrastada de "Vir-a-ser". Além do violão, a base de "Boca cheia de frutas" é formada por Cristovão Bastos (piano), Guto Wirtii (baixo) e Kiko Freitas (bateria). É com eles que o mineiro constrói as novas canções que, se não são tão certeiras quanto na fase áurea, permanecem instigantes e sedutoras. Uma mostra do poder dessa turma está na instrumental "SobreTom".
Aos 75 anos, Odair José lança "Seres Humanos" (Monstro Discos), seu 39º disco. Depois do rock "DNA", o novo single, "Desejo", fala sobre liberdade sexual e aceitar novos desejos. O tema não é novo na obra do goiano. Mas vale ouvir o que ele tem a dizer.
Amizades
Depois de sete anos, Keco Brandão lança o segundo volume do seu projeto "ComVida". Pianista, arranjador e compositor, ele reuniu luminares da MPB em 18 canções. Tem Cida Moreira, Zizi Possi, Toninho Horta e outros. Lançado em streaming, livro de partituras e CD.
Instrumental
O bandolinista Hamilton de Holanda já está com disco novo. "Collab" é uma parceria com o pianista afrocubano Gonzalo Rubalcaba. O repertório vai de Stevie Wonder a João Bosco, que canta e toca violão em "Incompatibilidade de gênios".
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