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A ópera sertaneja de Ayrton Montarroyos
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

A ópera sertaneja de Ayrton Montarroyos

Cantor pernambucano Ayrton Montarroyos costura histórias brasileira nas suítes do disco "A lira do Povo"
Tipo Opinião
Ayrton Montarroyos revisita histórias e paisagens brasileiras no disco 'A lira do povo' (Foto: Luan Cardoso/ Divulgação)
Foto: Luan Cardoso/ Divulgação Ayrton Montarroyos revisita histórias e paisagens brasileiras no disco 'A lira do povo'

Diariamente, dezenas de cantores quebram a cabeça em busca do hit perfeito para viralizar nas redes, bombar nas plataformas e garantir uma renda tão imediata quanto o esquecimento desse mesmo hit. Essa é a lógica que rege a lista das mais ouvidas do ano. Com cerca de 10 anos de carreira, Ayrton Montarroyos não está nessa lista, nem se esforça para seguir qualquer lógica de sucesso imediato.

"A minha vida toda foi não fazer parte da coisa como estava. Eu vi que ser diferente era um negócio mais legal para mim. Eu nunca fui muito bonito, eu era meio bonito. Quando eu abria a boca para cantar nenhum músico disse 'minha nossa senhora, que fenômeno esse cantor'. No colégio sempre fui aquele aluno razoável. O que eu fazia é aproveitar das minhas potencialidades e da minha vulgaridade. Aí tem uma energia que eu causo ali no palco, uma roupa que eu boto, os anéis, aquele monte de brilho. Aquilo vai formando uma aura", detalha ele, numa autoanálise que leva ao mais recente disco.

Longe quilômetros da fórmula do sucesso, "A Lira do povo" reúne quase 30 músicas divididas em suítes que falam de saudade, pressa, sertão, mar, trabalho e da relação do homem com isso tudo. Essas canções estão explícitas, como "Viola Fora de Moda", ou num detalhe, como "Casa Forte", ambas de Edu Lobo. Trechos de "Sol negro" (Caetano Veloso), "O trenzinho Caipira" (Villa-Lobos) e "Antônio das Mortes" (Sérgio Ricardo/ Glauber Rocha) entram e saem, assim como as vozes de Alaíde Costa e Inezita Barroso.

"Meus ouvintes no Spotify sempre foram pouquíssimos. Nunca tive nenhum sucesso. Então falei para meu produtor: a gente tem uma grande oportunidade. O fracasso pode subir à cabeça e, já que ninguém ouve, eu posso fazer qualquer coisa. Vamos na contramão", afirma ele que se encheu de coragem e saiu nadando contra a maré fonográfica atual. "Isso vai acabar, eu vou morrer, os discos ficam. O que fica é a ideia, é a beleza da ideia, é a execução do musico".

E essa mesma ousadia é exigida do ouvinte. O volume de belezas presentes nos 50 minutos de "A lira do Povo" é monumental, mas é preciso estar atento (e forte?) para perceber cada detalhe. Com um repertório que vem da década de 1930 até chegar ao moderníssimo Kiko Dinucci, o álbum é guiado pela interpretação trágica de "Gás Neon" (Gonzaguinha) até explodir num samba-enredo de Wando ("O Ferroviário").

Ayrton, o maestro dessa viagem por paisagens brasileiras, canta doce, cáustico, expansivo e introspectivo. Ciente do seu papel nessa ópera, ele mistura a própria às histórias de tantos que deixam sua inocência em busca de mais oportunidades. Pernambucano, 29 anos, ele trocou sua terra por São Paulo em busca de espaço para sua arte. Até encontrá-lo, ficou fazendo faxina para se manter. Tocou o sucesso popular quando participou do The Voice em 2015, até ver seus projetos interrompidos pela pandemia. Driblou uma depressão severa lançando discos dedicados a compositores brasileiros. Tomando nove remédios por dia, era comum a voz falhar em alguns deles. "Eu nem ouvi. Deixava eles lançarem e nunca nem ouvi", afirma, seco, ele que voltou a fazer faxina para se manter.

O retorno veio de um convite para cantar em um evento de música caipira. Numa época em que vinha ouvindo Jararaca e Ratinho, Cascatinha e Inhana e outros desse universo, nasceu a ideia de cantar um Brasil sertanejo que não veste blusa quadriculada nem ganha milhões por dia. Recorreu às memórias, anotações e playlists para ir costurando "A Lira do Povo". No show, que estreou em novembro de 2023, não há espaço para aplausos, convidados ou qualquer outro artifício que possa tirar a atenção do que verdadeiramente importa. "Eu não queria que as pessoas fossem lá me ver, eu não quero ser celebridade. Eu queria que a música fosse a grande celebridade no teatro. Eu quero ser funcionário, sabe? Eu quero ser funcionário, eu quero ser faxineiro das canções", justifica.

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Edmar Gonçalves indica 5 discos marcantes em sua formação musical

Alucinação - Quando eu era criança e morava no Iguatu, não entendia muito o que o Belchior falava, mas foi um disco que mexeu comigo de alguma maneira.

Água de Céu-Pássaro - Aqui eu já era adolescente, morando em Fortaleza. As músicas eram muito lindas e tinha um fado chamado "Barco Negro", que era um tipo de música que eu não conhecia muito bem. A estética, as melodias, letras já tinham uma coisa de profundidade.

Massafeira - Pela coletividade, variedade de ritmos e artistas. Eu participei do movimento como artista plástico, mas o disco em si foi muito surpreendente e teve uma importância muito grande na minha formação profissional como cantor e compositor.

Falso Brilhante - Além de ter clássicos e as interpretações impecáveis, tinha músicas e arranjos muito modernos. Esses discos vêm de uma época que você sentava para ouvir, folheando encartes, vendo fichas técnicas, que nos davam noção de quem estava envolvido.

Traduzir-se - Eu já gostava de ouvir Mercedes Sosa, algumas músicas dessa linha andina. Quando o Fagner fez esse trabalho, eu achei de uma perspectiva profunda. Eu gostava de cantar "Años", quando era cantor da noite, e era interessante fazer o dueto do Fagner com a Mercedes Sosa.

Produzido por Emicida, Alaíde Costa lança disco cantando inéditas de Tim Bernardes, Céu, Guilherme Arantes, Ivan Lins e outros
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Notas musicais

A voz

Dois anos depois de "O que meus calos dizem sobre mim", Alaíde Costa revela o nome e a capa do segundo trabalho da trilogia produzida por Pupillo e Emicida. "E o tempo agora quer voar" terá canções de Rashid e Rubel, entre outros.

Fab Five

Depois de 23 anos, o tributo de Rita Lee aos Beatles está de volta em vinil. "Aqui, Ali, Em qualquer lugar" está em pré-venda pela Bolachão Discos. Lançado em 2001, com muito sucesso, a homenagem ganhou edição em LP na época, hoje bem rara e cara.

Feminina

Por falar em Bolachão Discos, também está em pré-venda no site o disco "Deus é Mulher", de Elza Soares. Sequência do sucesso "A mulher do fim do mundo", o disco trazia a cantora interpretando compositoras como Tulipa e Alice Coutinho.

Foto do Marcos Sampaio

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