Keco Brandão e Délia Fischer reúnem parceiros em novos projetos
Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Em 2019, Délia Fischer gravou o disco “Tempo Mínimo”, que abre com “Meu Tempo”. No clipe dessa música, a cantora, compositora, arranjadora e pianista carioca convida a mãe, Lia Braga Martins, à época com quase 90 anos, para uma dança. Essa imagem chegou a Allen Morrison, crítico da revista norte-americana Downbeat, especializada em jazz, que deu cinco estrelas para o disco e ficou especialmente tocado pelo vídeo. “Ele entendeu que eu falava do tempo e que tinha minha mãe, que já faleceu. É uma homenagem ao tempo, que é uma coisa que a gente não consegue entender. Ele gostou dessa ideia e falou: ‘Poxa, eu queria tanto entender essa letra. Gostaria de ouvir isso em inglês’. Eu falei: ‘ótima ideia. Você quer fazer?’”, relembra Délia.
A partir daí, ela e Allen criaram uma série de versões em inglês do mesmo disco para um projeto que ganhou o nome de “Beyond Bossa”. “Esse projeto nasce da ideia do meu produtor, o André Oliveira, que enche meu saco há anos, continua enchendo: ‘Délia, o teu caminho não é Rio de Janeiro, é fora’”, conta ela que já fez muitos trabalhos no exterior, mas nunca com suas canções. Por isso, ela vê o novo disco como “mais ousado no quesito assim ‘vamos americanos, vamos ouvir a minha música’”.
Assim sendo, “Beyond Bossa” se divide entre elementos típicos da música brasileira, como a percussão e a poética, e alguma preocupação em tornar isso acessível ao estrangeiro. Um bom exemplo é a faixa “Lemon Jugglers of Rio”, versão de Allen Morrison para “Corações Amarelos”, que fala sobre os malabaristas dos sinais de trânsito. “Eles não entenderam nada. Ele fez uma letra muito bonita, mas muito explicativa de que os meninos descem o morro, vão para as ruas e fazem a arte deles pedindo dinheiro”, lembra Délia que convidou o grupo New York Voices para cantar e teve que confirmar a história. “Mas isso é verdade, Délia? Isso acontece?”.
Nessa transposição de situações e sentimentos, “Beyond Bossa” guarda outra história curiosa. “Tanto faz” é uma parceria de Délia com Claudio Botelho, que escreveu uma letra cheia de desesperança. Quando Morisson fez a versão batizou de “I prefer the dark”. Ela tomou um susto. “Falei: o quê? Eu não prefiro a escuridão nunca. Aí ele trocou o nome da música para 'Every hopefull corner' ('Cada esquina de esperança') e falou um negócio muito legal: 'Ultimamente eu prefiro a escuridão. O sol vai brilhar um dia novamente, eu sei. Algum dia haverá uma faísca'”.
O álbum segue com memórias de infância, homenagem ao Rio de Janeiro, ecos da bossa de Tom Jobim e João Gilberto e mais histórias curiosas (e reais), como uma acupunturista que marcou uma sessão com Délia, mas acabou furando (no sentido figurado). Para chegar mais perto do mercado estrangeiro, ela trouxe os cantores de jazz Gretchen Parlato (EUA) e Mario Biondi (Itália), e um time de brasileiros que há anos conquistou o mundo: Luciana Souza, Chico Pinheiro e Marcos Valle. “Isso foi muito de caso pensado, fazer uma coisa para o mercado americano, que acaba resvalando no mercado europeu também. A música brasileira tem uma característica poética muito forte, que chama atenção. Levar isso da forma como o Allen fez, colocando os elementos para o mundo, deu uma potência para que as pessoas entendam que o que a gente está cantando”, explica.
Keco Brandão volta a reunir amigos no segundo volume do projeto "Com Vida"
O pianista e arranjador Keco Brandão já conta mais de 40 anos de carreira acompanhando nomes da MPB que vão de Elza Soares a Fábio Júnior. Sua produção autoral vai de jingles publicitários a um disco que aborda a cultura indígena. Reconhecido acompanhante, ele partiu para a frente do palco em 2017 com o projeto "Com Vida", em que chamou diversos amigos para interpretarem canções. Sete anos depois, "Com Vida" ganha um novo volume e o músico porto-alegrense amplia sua atuação para, além de músico e arranjador, as funções de cantor e compositor.
"Eu comecei a cantar até por incentivo de pessoas com quem eu trabalhei", assume Keco, que teve o primeiro incentivo de Jane Duboc. "Ela fez um disco em homenagem ao Flávio Venturini, onde eles dividiam uma faixa. Quando levamos o disco para o palco, ficou aquela incógnita, né? Quem é que vai cantar? O Flávio não vai poder vir. Aí eu falei: 'Jane canta a música inteira, então'. Ela falou: 'Não senhor, você que vai cantar'", lembra ele, que teve como segunda madrinha Gal Costa, que o convenceu a fazer no show a parte gravada pelo cantor congolês Lokua Kanza no disco "Hoje".
O incentivo o fez estudar e assumir os vocais no projeto autoral. E a missão é árdua: em "Com Vida 2", Keco Brandão divide as 18 faixas com vozes como Zizi Possi, Toninho Horta, Bruna Moraes e Tatiana Parra. "A seleção de convidados partiu de pessoas que eu já gostava musicalmente e que eu tinha vontade de convidar para o meu projeto. Praticamente o primeiro disco todo são pessoas do meu círculo de amizade. A Zizi eu já trabalhava com ela e ficou mais fácil de convidar. O Ivan (Lins) eu soube por algumas pessoas que ele já conhecia o meu trabalho como arranjador e que gostava muito, fazia muitos elogios. Aí a coisa avançou para o segundo volume, que foi uma continuidade dos artistas que não couberam no primeiro", detalha.
Com o elenco escolhido, Keco foi fazendo conexões entre ideias de arranjos, parcerias que criou, canções que gostaria de ouvir na voz de alguém e montando o quebra-cabeças que chega em "Com Vida Volume 2". Parceria dele com Luiz Tatit, "O Momento" ganha a voz sempre certeira de Ná Ozzetti. Já uma composição só dele, "Desde que ouvi o samba" ganha a opulência de Fabiana Cozza. Ele mesmo canta duas parcerias com Yuri Popoff, a valseada "Tudo em si reluz" e a reflexiva "Linha da minha vida". E sua porção pianista e arranjador aparece numa versão íntima e elegante de "Peito Vazio", de Cartola e Elton Medeiros, na voz teatral de Cida Moreira.
Para Keco, criar os dois álbuns "Com Vida" resultou em evolução e crescimento do seu trabalho como músico. "Eu gosto muito de ficar passeando em todos esses universos. Aquela coisa de você centrar em um disco por exemplo autoral, onde todas as músicas são suas, aí você canta tudo, você toca, você arranja... Eu acho egóico demais. Música é compartilhar, é uma grande festa. Decididamente, a andorinha musical sozinha não faz verão", avalia, mas faz uma ressalva entre risadas. "Eu acho que agora consigo me apoderar desses elementos todos com muito mais propriedade. E, claro, isso é graças a experiência, estudo, dedicação. Tudo dá muito trabalho, cara. Vocês não fazem ideia de como isso dá trabalho".
Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página
e clique no sino para receber notificações.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.