Selvagens à Procura de Lei refletem sobre mágoas do passado em novo disco
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Foto: IGOR DE MELO/ Divulgação
Jonas Rio (baixo), Matheus Brasil (atrás, bateria), Gabriel Aragão (à frente, voz e guitarra) e Plínio Câmara (guitarra)
Já é uma sina para quem decide criar uma banda de rock e cair na estrada: um belo dia, a convivência em grupo vai ficar pesada, surgirão desentendimentos e, quase inevitavelmente, os afastamentos. Rara é a banda no mundo que não passou por isso. Até os inabaláveis Paralamas do Sucesso já se estranharam, embora tenham conseguido juntar os cacos. Outros não tiveram a mesma sorte e precisaram se reinventar.
E daí, é comum que das ranhuras surjam discos que, de alguma forma, expurgam o que ficou por ser dito. "Y", novo disco dos Selvagens à Procura de Lei, é um exemplo disso. Pela sequência cronológica, este seria o quinto disco da banda cearense que conquistou os corações roqueiros desde que surgiu com o independente "Aprendendo a Mentir" (2011). Mas também é possível encarar este como o álbum de estreia da nova fase dos Selvagens, que passaram por desentendimentos no segundo semestre de 2024.
A situação foi acompanhada pelo público através de notas nas redes sociais, entrevistas desencontradas e situações vexatórias. Uma delas foi um show anunciado no Férias na PI, em julho do ano passado, que supostamente nem a banda sabia que aconteceria. Depois foi anunciado que seria um show solo do vocalista, guitarrista e compositor Gabriel Aragão, o que também não aconteceu. O episódio esgarçou a situação interna da banda que, entre os motivos para a crise, estavam diferenças políticas e ideológicas.
Como consequência, Rafael Martins (guitarra), Caio Evangelista (baixo) e Nicholas Magalhães (bateria) partiram dos Selvagens e já estão em outro projeto, a banda A Cor dos Olhos. O remanescente, Gabriel Aragão, reuniu uma turma nova - Plínio Câmara (guitarra), Matheus Brasil (bateria) e Jonas Rio (baixo) - e seguiu em frente para criar o repertório novo apresentado, enfim, em "Y". O título do álbum se explica pelo desenho: uma linha que se bifurca em caminhos diferentes.
O primeiro single, lançado em fevereiro, foi sintomático: "Pra recomeçar" traz versos como "Eu te considerava irmão, ainda dói meu coração". Nada sutis para quem acompanhou os fatos que antecederam este lançamento. O mesmo sobre a faixa seguinte, "Amigos por interesse" ("Não faz mais sentido agora andar com quem é da boca pra fora"), que se constrói sobre guitarras pesadas, bateria violenta e vocais gritados. Aliás, esse é mais um ponto a ser destacado em "Y": esse é um álbum de rock. Aqui, as mágoas do passado são tratadas na porrada.
Como adiantado por Gabriel em entrevista exclusiva ao Discografia no início de 2025, esse é o disco mais pesado do Selvagens. Desde as letras cheias de raiva e melancolia até um som sujo e catártico. "Um lugar que te mereça" é um bom exemplo disso, com ritmo pulsante e arranjo que ganha força com diferentes timbres de guitarra, sopros e vocais dobrados. E, sim, a letra dá continuidade à sessão de terapia compartilhada com os fãs ("Eu nunca vou saber como é ter que ser você"). Para dar um alívio a esse exorcismo, "Mucambada" é uma folk rock endereçado aos fãs. "Pra quem teve pouco amigo um bom fã é um abrigo", diz a letra.
Em evento realizado para fãs na loja de instrumentos musicais Tele Eletrônica, Gabriel contou que a ideia inicial era lançar um novo disco solo - o primeiro foi "Rua Mundo Novo" (2023). Mas, ao ouvir o próprio repertório, ele percebeu que tinha nas mãos mais um disco dos Selvagens (o que talvez explique o fato do baixista Jonas Rio não estar em nenhuma faixa do novo álbum). Como dono da marca (mais um motivo para desentendimentos), ele resolveu apostar nesse recomeço. Um recomeço, inclusive, pessoal, uma vez que ele não esconde os sentimentos aflorados com o afastamento dos ex-parceiros. E é aí que está a força de "Y", trazer esses sentimentos à tona de forma tão sincera e escancarada.
Poucas parcerias no rock foram tão prolíficas quanto a de Rita Lee e Roberto de Carvalho. Não bastassem tantos sucessos registrados em tantos discos, eles ainda fizeram uma família que parece mais tradicional e equilibrada do que se esperaria de uma família de roqueiros. Isso é o que fica evidente no filme "Mania de Você", que estreou no streaming Max.
O filme dirigido por Guido Goldberg tem cerca de 80 minutos, o que, óbvio, não daria conta de uma vida tão intensa. Para começo de conversa, a fase Mutantes é ignorada sem explicações. É certo que a formação do trio tropicalista e a separação, que rendeu farpas para muitos lados, já foi explorada em diversas mídias. Ainda assim, é estranho que não haja nenhuma menção à banda que apresentou Rita ao mundo - e que ainda hoje é cultuada mais fora que dentro do Brasil.
"Mania de Você" também tem outro ponto questionável: ele já começa avisando que a intenção é fazer o público chorar. Com Roberto e os três filhos reunidos à mesa, é anunciado que uma carta inédita que Rita deixou para a família será lida ali. Essa leitura só acontece no final e acaba sendo menos impactante do que os muitos sorrisos deixados pela ruivinha sardenta que era dona de um deboche refinado. Até o público ouvir o conteúdo da carta, muitas imagens íntimas de Rita grávida, tomando banho de piscina, alimentando saguis, passeando pela casa já garantiram muitas lágrimas.
Além das lágrimas, o drama do abuso de drogas e quanto isso afetou a família é tratado de uma forma crua. Esposo e filhos falam do tema abertamente, mas sem deixar perder a ternura da matriarca, que também já falou muito do tema. De separações, brigas a um acidente que quase antecipa a aposentadoria da cantora, o filme vai se dividindo em duas partes. Numa primeira, o foco são diversas histórias que cruzam as vidas pública e privada de Rita e Roberto. Nesse ponto, o ganho está no mergulho feito nos arquivos da ditadura que implicou com diversas letras escritas por Rita.
Na segunda parte, os fatos vão sendo pontuados pelos discos e como eles refletiram cada momento da vida de Rita Lee. De como a entrada de Roberto deu fim à parceria com a banda Tutti Frutti, até os últimos anos cuidando da saúde abalada por um câncer, o filme vai misturando histórias repetidas com imagens inéditas. Ficam de fora a bipolaridade, as participações em filmes, o trabalho como apresentadora de TV, a produção literária e outros trabalhos. No fim, o fã mais fiel vai ter uma sensação de já ter ouvido tudo. Mas vai abrir um sorriso por rever Rita Lee numa intimidade poucas vezes vista.
Veja o trailer do filme "Mania de Você":
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