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Rubel, o ótimo moço subversivo, volta para casa em seu quarto disco
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

Rubel, o ótimo moço subversivo, volta para casa em seu quarto disco

Depois de viajar pelos cenários musicais do Brasil, Rubel volta para casa em seu quarto disco
Tipo Análise
Depois de explorar rap, hip hop e os ritmos brasileiros, Rubel volta à estética intimista do álbum de estreia (Foto: Bruna Sussekind/ Divulgação)
Foto: Bruna Sussekind/ Divulgação Depois de explorar rap, hip hop e os ritmos brasileiros, Rubel volta à estética intimista do álbum de estreia

Em 2019, quando Rubel veio fazer show em Fortaleza, seu segundo disco, "Casas", tinha menos de um ano de vida. Até ali, boa parte do público o conhecia pela balada acústica "Quando bate uma saudade", lançada seis anos antes, mas que estourou em 2015, quando estreou o clipe dirigido pelo próprio compositor. A combinação de áudio e vídeo potencializou a canção marcada por uma beleza áspera, de melancolia ardida que fala de amor de forma impositiva, quase autoritária, e profundamente sincera. Tudo isso se arrastando por mais de seis minutos. No entanto, para o palco cearense, ele corajosamente transformou seu até então único sucesso numa discoteca, estilo anos 1970, que em nada se parecia com o original.

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"É uma coragem que eu nem tenho mais", comenta ele, em entrevista exclusiva ao Discografia, pelo Zoom. O artista fala assim, com jeito meio tímido e até surpreso da lembrança, mas o que veio depois foi ainda mais corajoso. Após a estreia acústica, lenta e introspectiva, ele flertou com o rap e o hip hop, fez parcerias com Rincón Sapiência e Emicida, e se esbaldou em muito do que o Brasil tem a oferecer em termos de música no disco "As Palavras, vol. 1 e 2" (2023), que junta MC Carol com Xande de Pilares, Tim Bernardes e Milton Nascimento.

Dois anos depois, Rubel volta dessa viagem pelo País e chega ao quarto onde criou o álbum de estreia e à estética crua da voz e violão. "Eu estava com saudade mesmo desse lugar que é mais despido. Acho que era natural, em algum momento, depois de ter ido tão longe em termos de influência e experimentação, querer voltar para um lugar que é mais íntimo", reflete o músico antes de avisar: "Mas eu não volto nem para o lugar do 'Pearl', nem para o lugar do 'Casas'. Eu volto para um outro lugar, mas que é um lugar no sentido de ser meu".

Esse novo lugar chama-se "Beleza. Mas a gente faz o que com isso?", disco que chega às plataformas com sete composições inéditas, versão em português para "A la ventana, Carolina", do mexicano El David Aguilar, e uma releitura para "Reckoner", do Radiohead. "Acho que esse disco é um momento em que estou mais encontrado comigo mesmo, com o que eu quero na minha vida, com as minhas referências estéticas. Acho que é como se eu tivesse precisado viver aquilo tudo para chegar aqui".

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No entanto, mesmo mais encontrado, Rubel não quer facilitar e segue instigando o ouvinte a pensar sobre suas mensagens. Isso seja na capa - ele suado com um pato pendurado no pescoço - ou na pergunta do título do disco. "Acho que a gente vai ficando mais velho e vai tendo menos certeza das coisas, né? Mais dúvidas e menos afirmações mesmo. É um título tão aberto que dá para entender muita coisa a partir dele. É quase psicanalítico, assim, que você pega o negócio e vai inventando significado", divaga antes de arriscar uma explicação. "Eu acho que esse é um disco de muitas perguntas. Até a música 'Pergunta ao tempo', que é meio central na temática do disco, sobre tempo, vida e sobre morte... É autoexplicativo, né? Acho que esse disco vem muito desse assombro de o tempo ir passando e você vendo que as coisas não permanecem. As coisas mudam e isso, por um lado, gera muita angústia, sofrimento e medo. Mas, ao mesmo tempo, tem muita beleza nisso. Então o disco é um pouco uma soma dessas reflexões sobre tudo isso. É um disco bem existencial nesse sentido".

O existencialismo é compartilhado com o público que busca as imagens que ele poetiza nas canções. "Encostou a mão na beira da sacada e viu o sol reluzindo um brilho bem dourado que lembrava um ouro nu. Acendeu o tabaco olhando para paisagem e se lembrou da sua zona leste, de se lambuzar sujando seu lençol, de cair bem na porrada, de trepar muito na escada e de vencer", canta em "Ouro", uma das supostamente românticas do disco. Ou em "Noite de Réveillon", que ele elenca as promessas - nem sempre cumpridas - e as frustrações típicas da virada.

E, como ele havia prometido, "Beleza. Mas a gente faz o que com isso?" é uma volta ao íntimo, mas ele não é mais o mesmo. Tanto que "Carta de Maria" é um afoxé, que remete à busca do Brasil plural de "As Palavras, Vol. 1 e 2". Ou "Azul Bebê", que conta com os samplers e colagens que ele aprendeu a usar em "Casas". Já "Praticar a Teimosia" é uma balada ao violão, que remete ao universo de João Gilberto. "Eu acho que ele tem muita a coisa da identidade, da autoralidade. Acho que o movimento foi um pouco esse: Eu fui, experimentei, experimentei, experimentei, aprendi, bati a cabeça, tentei. Agora eu cheguei num lugar e eu quero mostrar o que que eu aprendi", resume.

 

Mais palavras

A pronúncia do seu nome, que corretamente seria 'Rúbel':

  • "Essa batalha eu perdi. Essa batalha eu não ganhei, nunca vou ganhar, porque as pessoas seguem falando 90% das vezes é 'Rubél'".

O retorno ao som intimista

  • "Ele (o novo disco) realmente foi produzido quase todo dentro desse quarto que estou aqui, agora. E eu acho que, mais do que o 'Casas', ele tem essa sensação, quase como se eu tivesse chamando a pessoa para entrar no meu quarto de madrugada e me ouvir tocando essas músicas".

O processo de composição do novo disco

  • "Tem uma coisa muito importante do terceiro (disco), que é o estudo da canção brasileira que eu fiz. Por mais que ele não seja tão MPB, foi muito importante para fazer esse quarto, porque foi um período que eu me debrucei muito sobre a história da música brasileira, um estudo de harmonia de violão muito forte".

O novo álbum

  • "Eu acho que esse disco tem mesmo esse caráter de olhar para a vida e pensar que coisa é essa, que loucura essa experiência de estar vivo e de repente se morre, e de repente acaba, e de repente você namora, e de repente você termina e de repente você está casado, e você não está mais e a vida passa. Então eu acho que esse disco vem muito desse é assombro de o tempo ir passando e você vendo que as coisas não permanecem".

Referências

  • "Eu acho que esse disco (novo) vai mais nessa referência direta ali de tentar beber na fonte do João Gilberto, do Caetano dos anos 1970, daqueles discos acústicos do Caetano, que eu acho que é a primeira vez que eu me aproximei um pouquinho mais desse lugar. Aí é o lugar que eu mais amo mesmo, é o lugar que eu acho do que tem de mais precioso na música brasileira".

 

Foto do Marcos Sampaio

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