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Mudando para permanecer o mesmo
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

Mudando para permanecer o mesmo

Zé Ibarra se reinventa em novo álbum, mas mantém a essência das melodias ricas e das letras profundas
Tipo Opinião
Zé Ibarra lança seu segundo disco solo,
Foto: Elisa Maciel/ Divulgação Zé Ibarra lança seu segundo disco solo, "Afim"

Zé Ibarra já nasceu com ar de veterano. Colega de colégio de Tom Veloso, sua estreia aconteceu na banda Dônica, que tinha o filho de Caetano entre os integrantes. O único disco do grupo foi lançado em 2015, já por uma grande gravadora (Sony) e levou o Prêmio da Música Brasileira de Melhor Grupo. Esse mesmo álbum, "Continuidade dos Parques", tem a participação de Milton Nascimento, que, anos depois, convidaria Ibarra para integrar sua turnê de despedida. Ainda no Dônica, ele trabalhou com Lucas Nunes, com quem formaria o Bala Desejo, que lhe renderia mais prêmios e mais admiradores.

Entre esses admiradores estão nomes como Ney Matogrosso e Gal Costa, com quem ele dividiu a "Meu bem, meu mal" no derradeiro álbum "Nenhuma Dor" (2021). Um currículo desses, décadas atrás, traria popularidade, música em novela, sucesso no rádio e uma carreira grandiloquente. Mas, hoje, o espaço reservado para a dita "MPB tradicional" no mercado é limitado e Zé Ibarra é uma estrela discreta admirada por quem está antenado às novidades.

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Também discreto é seu primeiro álbum solo, "Marques, 256" (2023), com oito faixas interpretadas na voz e no violão ou piano. Ardido em melancolia e beleza, o álbum mistura composições próprias com lados Bs de medalhões que passaram pela vida de Ibarra. O passo a seguir dessa história é "Afim", que chega agora, dois anos depois da estreia. Se o primeiro extraía personalidade de poucos elementos, esse segundo misturar texturas, orquestrações, vocais, sons elétricos e acústicos, e diferentes ritmos.

A faixa que mais aproxima os dois álbuns é "Retrato para Maria Lúcia", do compositor alagoano Ítallo França. Mas "Transe", lançada como single meses atrás, já mostrava que a ideia agora é outra. A composição de Ibarra narra a confusão de um término sem explicação. Assim como o tempo traz e leva essas saudades, o arranjo vai mudando o clima, ganhando ritmo, tornando tudo mais urgente. Também é o amor mal resolvido o tema de "Infinito em nós", um reggae meio samba de Ibarra que ganha peso com os sopros do Copacabana Horns.

Composição de Maria Beraldo lançada em seu álbum de estreia, "Da Menor Importância" parece as experimentações sonoras que Caetano Veloso solta entre um hit e outro, enquanto "Morena" (Tom Veloso) versa sobre saudade com uma aura mais radiofônica. Faixa lançada por Dora Morelenbaum, sua colega de Bala Desejo, "Essa Confusão" é uma joia rara na produção nacional contemporânea. A paixão se transforma em desespero na ansiedade por uma resposta. Dora interpretou essa balada de forma lacrimosa, num arranjo clássico que remete aos melhores momentos da Gal Costa. Ibarra trouxe Jaques Morelenbaum (pai de Dora) para o arranjo de cordas, Jorge Continentino para os sopros e deu mais peso à interpretação. Difícil escolher a melhor.

"Afim" encerra com "Hexagrama 28", que Ibarra canta com uma emoção incrível. A divertida composição de Sophia Chablau parece dar a senha para entender esse artista de 28 anos: "Durmo e acordo e vivo e como com minhas inquietações calado". Seja cercado por figuras históricas da MPB ou destaques da cena indie que vem buscando espaço para fazer sua história, Zé Ibarra já descobriu o que quer fazer da sua arte. Com muita personalidade, ousadia bem medida e atento aos mestres, ele surpreende com um repertório refinado e ideias bem apresentadas. Se "Marques, 256" parecia vazio e introvertido, "Afim" é plural e para fora. E ambos complementam a personalidade de um artista inquieto e discreto, que tem como foco somente sua música.

 

Julia Mestre lança
Julia Mestre lança "Maravilhosamente Bem", seu terceiro disco solo

Seguindo o baile

Por falar em Bala Desejo, quem também lançou um novo álbum recentemente foi Julia Mestre. "Maravilhosamente bem" chega dois anos depois de "Arrepiada", lançado após o estouro da banda que dividiu com Dora Morelenbaum, Lucas Nunes e Zé Ibarra. Assim como o anterior, este terceiro disco da carioca de 29 anos é um conjunto de canções de alma pop, letras quentes, intenções divertidas e referências claras.

Entre essas referências, a mais óbvia é Rita Lee. Para quem não lembra ou não sabe, Julia foi convidada pelo Canal Bis para fazer um programa todo cantando canções da roqueira paulistana. O programa acabou rendendo um EP com versões de "Agora só falta você" e "Papai me empresta o carro". Só que "Maravilhosamente Bem" é um disco de composições próprias e inéditas, e Rita é uma presença espiritual que se faz ouvir em cada teclado vintage, vocal dobrado e batida discoteque da faixa título, por exemplo.

Esse som que se localiza no que há de melhor no pop nacional feito entre o fim dos anos 1970 e meados da década seguinte é a tônica das 11 faixas do álbum de Julia Mestre. Ele está na sensualidade dançante de "Sou fera" e na languidez apaixonada de "Pra lua". Baladas como "Sentimento blues" e "Seu romance" provam que ela ouviu muitas divas oitentistas, como Joanna, Fafá de Belém e Marina Lima, esta homenageada na super dançante "Marinou, Limou". E ao final de 35 minutos, a sensação que fica é que Julia combinou despretensão e diversão para criar a trilha sonora da própria novela de época.

 

Luedji Luna faz show no Festival Zepelim 2023
Luedji Luna faz show no Festival Zepelim 2023

Duas vezes Luedji Luna

A cantora e compositora baiana parece mesmo disposta a fazer as coisas ao próprio modo. Três anos depois de lançar uma "versão deluxe" do segundo disco, ela retorna lançando dois álbuns com uma semana de diferença. "Um mar pra cada um" e "Antes que a terra acabe" reúne 21 faixas, em sua maioria inéditas, e uma lista longa de convidados nacionais e internacionais. Mas são obras irmãs, com o mesmo apelo emocional regado com neo soul, jazz, pop e uma brasilidade muito discreta.

O primeiro deles a ser lançado, "Um mar pra cada um" começa com quase cinco minutos de improviso instrumental e segue por baladas sobre amor, que Luedji canta com suingue e paixão. Ao mesmo tempo que se parecem, as faixas vão compondo uma linguagem que ela vem buscando desde sua estreia em 2017. Embora nenhuma faixa se destaque em especial, vale nota para a participação de Liniker em "Harém" e para um Luiz Melodia sampleado em "Joia".

Seguindo os mesmos princípios, "Antes que a terra acabe" se sai melhor que o antecessor e tem seus destaque. Logo na abertura, Luedji canta "Apocalipse" com Seu Jorge em um arranjo assinado por Arthur Verocai. O reggae delicado "Mara" vem enxertada com um trecho de "Beijo Partido" (Toninho Horta) e um sampler de Milton Nascimento, homenageado da faixa. A melhor do álbum, "Iôiô" é um sambarock contagiante que amplia as possibilidades de Luedji, assim como a impactante "Bonita", em dueto com Alaíde Costa. Essas, assim como a balançada "Às cegas", mostram que Luedji Luna ainda busca um som ideal para sua obra. Mas, até que ela encontre, a procura já tem deixado pistas bem interessantes.

 

Foto do Marcos Sampaio

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