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A força de um tufão: Fhátima Santos junta forças e amigos para cantar
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

A força de um tufão: Fhátima Santos junta forças e amigos para cantar

Estrela da noite fortalezense, Fhátima Santos vem juntando forças e ajuda de amigos para voltar a cantar
Tipo Opinião
Fhátima Santos, cantora e compositora alagoana radicada em Fortaleza (Foto: Reprodução Facebook)
Foto: Reprodução Facebook Fhátima Santos, cantora e compositora alagoana radicada em Fortaleza

“Foi como um tufão. Você está aqui em casa, de repente, chega um tufão. Chegou e disse: ‘Toma que é teu’”. Assim Fhátima Santos descreve o show feito em sua homenagem, em maio, no bar Alpendre, reunindo músicos como Raara Rodrigues, Luciano Franco, Heriberto Porto e Edmar Gonçalves. Foram tantos que ela, incentivada por aquele abraço coletivo, pegou o microfone e cantou depois de mais de 10 anos.

Alagoana de nascença, foi em Fortaleza que ela descobriu e desenvolveu o dom da música. Seu pai era empregado da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) e, certa vez, comprou um violão para matar o tempo enquanto se recuperava de uma catapora. A doença passou para a filha adolescente, que resolveu também se ocupar com o instrumento. “Eu peguei o violão e o método, e achei aquilo tão fácil. Comecei e fui tocando”, lembra ela que foi ajudada por uma brincadeira de infância. Fã de orquestras, ela costumava fazer uma plateia de cadeiras vazias enquanto regia violinos, violas, violoncelos, oboés e flautas imaginários que tocavam na vitrola de casa.

Leia no O POVO + | Confira histórias e opiniões sobre música na coluna Discografia, com Marcos Sampaio

Já cantar, ela não lembra como começou. “Eu não sei. Quando vi, já estava cantando. Mas era uma coisa tão natural, tipo como a gente faz xixi. Ninguém ensina, né? É a mesma coisa para mim, tão natural que eu achava estranho o povo bater palma. É um absurdo! Como é que a pessoa bate palma para um negócio desses?”, questiona, agora, aos 65 anos, ela que foi muito aplaudida. Tendo passado por casas lendárias como Bebedouro, Caros Amigos, Bar do Papai e Kabumba, não faltaram aplausos para aquele timbre rouco, grave, profundo que tem uma estranha atração por músicas complicadas.

Ela não lembra o começou, mas sabe como parou. Com depressão “desde sempre”, o quadro se agravou com o volume de compromissos, pouco sono e o avançar da idade. Ela foi percebendo algo estranho, de humor desordenado a visões de vultos. Eis que ela encerrou um dia qualquer de trabalho e não voltou no seguinte. O quadro complicou com a perda do pai, afastamento dos amigos, dificuldades financeiras e a falta de vergonha do poder público que deixa faltar remédio no posto de saúde. Aquela mulher de esfuziantes cabelos encaracolados e performance intensa murchou, caiu de cama.

Passaram-se 12 anos até ela sentir o que chama de um “cutucão”. “Alguma coisa aconteceu. Eu disse: ‘Opa, eu tenho que me levantar. Com dor ou sem dor, eu tenho que me levantar’”, lembra ela que encontra muito dessa força na fé cristã e na música. Ligou para Carlinhos Patriolino, músico que a acompanhou por muitos anos, pediu ajuda e outros foram chegando, como Goretti Almeida, Ciribah Soares e Pingo de Fortaleza. “Os queridos amigos que nunca mais tinham me visto começaram a aparecer e me dar apoio para voltar a cantar”, lembra ela sobre o que descreve como um “milagre”.

Esse retorno começou como um sonho recorrente no tempo em que estava acamada. No sonho, ela buscava um vestido para fazer um show. Na vida real, ela se desfez de todos os vestidos quando abandonou a música. O vestido desceu do sonho e veio à realidade fazendo Fhátima Santos voltar a acreditar na própria voz. “Estou querendo, estou me preparando, já falei com os músicos para um tributo a Nana Caymmi”, revela, ainda sem saber detalhes. Mas o desejo virou realidade um dia depois da nossa conversa. “Eu nasci para cantar. Primeiro há um movimento de retorno. Segundo, eu preciso retornar, preciso trabalhar. Estou viva. Preciso me sustentar. E que me abram as portas”.

Próximos shows

Show Coletivo para Fhátima Santos

  • Quando: quarta-feira, 16, às 17 horas
  • Onde: Alpendre (rua Torres Câmara, 181 – Aldeota)
  • Quanto: R$15 (couvert)
  • Mais informações: @alpendrebaroficial

Fhátima Santos canta Nana Caymmi

  • Quando: sexta-feira, 25, às 20 horas
  • Onde: O Barão (rua Equador, 1814 – Itaperi)
  • Quanto: R$7 (couvert)
  • Mais informações: @restauranteobaraoof

Cartas para fhátima

Carlinhos Patriolino, músico

Conheci a Fátima no início das nossas carreiras. Nossos caminhos musicais se cruzaram algumas vezes, mas logo depois me mudei para o Rio de Janeiro, onde vivi por muitos anos. No começo dos anos 2000, ao retornar ao Ceará, reencontrei Fátima Santos, agora com uma bagagem musical imensa. Por sorte minha, logo voltamos a tocar juntos. Essa experiência mudou minha vida para sempre, porque reencontrei não apenas uma amiga querida, mas uma cantora monumental. Tocar com a Fátima e conviver com a sua imensa emoção é testemunhar, dia após dia, o poder que a música tem de tocar o coração das pessoas. Ela tem uma expressão artística rara, transmite sentimento com uma intensidade difícil de encontrar, além de escolher um repertório de extremo bom gosto. Posso dizer, com alegria e gratidão, que é um grande privilégio ter a Fátima como amiga e parceira musical. Fazer parte dessa linda história que é Fátima Santos é, sem dúvida, um presente da vida.

Luciano Franco, músico e produtor musical

Conheci a Fhátima Santos através do meu amigo Cláudio Costa, exímio violonista, que já tocava com ela anteriormente. Ao assisti-los, fiquei maravilhado com a musicalidade e o entrosamento dos dois, além da excelência do repertório. Era tudo o que eu queria para uma noitada puxada por um bom papo e pela boa música. Vez em quando, um convite para uma canja e lá ia eu tocar um repertório totalmente fora da curva, do jeito que eu gostava e ainda gosto. Aos poucos os laços foram se estreitando e, de repente, passei a titular no violão para acompanhá-la. Que honra, que alegria! Se assistir já era bom, imagine tocando junto com ela, no mesmo palco. Só assim dava realmente para perceber a qualidade do trabalho dela, desde a intepretação, o domínio da letra e do ritmo, em qualquer estilo de música a qual se propusesse a interpretar! Um momento sublime na minha memória foi fazer a direção musical de apresentações suas no festival Jazz&Blues, em Guaramiranga. Em um deles, antes da apoteótica saideira, o público já estava de pé, aplaudindo frenética e efusivamente a sua belíssima participação e transformando o teatro local em um verdadeiro caldeirão. Inesquecível! Sem sombra de dúvidas, Fhátima Santos é uma das melhores cantoras do Brasil.

Zé Luiz Mazziotti, cantor

Oi, quem está falando é Zé Luiz Marciotti, cantor apaixonado pela Fátima Santos. Fátima é uma cantora muito especial, uma personalidade impressionante. É uma das maiores cantoras que eu vi na minha vida nos meus 60 anos de carreira. Uma das coisas que mais conheci é a Fátima cantando Lobo Bobo, que é uma coisa boba, e que ela tornou aquilo uma história linda, sensual, gozada, com o humor que ela tem. Então, muito bom, muito bom poder ter convivido com a Fátima. Fizemos algumas coisas juntos também, então fizemos o programa de televisão juntos, que está gravado para sempre, para as pessoas saberem quem ela é e quanto eu a amo. Então é isso, tá bom? Então beijão, Fátima, te amo. Tchau.

Thiago Almeida, músico, arranjador e produtor

Meu pai é músico e ele recebeu um convite do Timóteo, saxofonista, para tocar um Réveillon que ia ter a Fátima Santos. Ela ia cantar a música “Eu e a Brisa”. Eu vi meu pai aperreado já estudando “Eu e a Brisa”, que é uma música que já é difícil. Eu vi já ele cifrando e fazendo aquilo com uma preocupação diferente. E ele me levou no ensaio, ele foi na casa da Fátima Santos para passar a música com ela. E quando eu cheguei, meu pai ligou o teclado, ela começou a cantar e ela, em vez de cantar a letra, ela cantou algumas sílabas, tipo “Pa pa pi ra pa pi ra”. Ela mostrando uma linguagem, ou uma língua... musical... universal, diria o Hermeto. Tempos depois, eu fui tomando consciência de que ela era essa grande cantora. E com a Marimbanda a gente teve a oportunidade de fazer um show juntos. Foi incrível, e eu sonho com o dia de voltar a tocar com ela.

Ciribah Soares, cantor e compositor

Conheci Fhátima Santos logo que voltei a morar em Fortaleza, meados dos anos 1990. Nos encontrávamos nos estúdios de gravação e também em bares com música ao vivo. Sempre com a conversa sobre música, é claro, nossas preferências, cantoras e cantores que admirávamos, as dificuldades da profissão, falta de grandes oportunidades, etc. Temos uma semelhança muito próxima em termos de repertório (ela cantando é muito mais bonito, rsrsrs). Uma técnica invejável nas suas apresentações e uma personalidade muito própria quando estava no palco e, para quem a conhece mais de perto, fora dele também. Tínhamos uma parceria muito boa, durante um bom tempo. Digo, sempre que ela não podia atender a um evento, show, festa particular, bares, restaurantes, ela me ligava e passava o trabalho pra mim... E eu também fazia a mesma coisa com ela. O ponto mais marcante para mim sobre Fátima Santos, foi um show no Teatro José de Alencar. Fátima Santos e Pery Ribeiro acompanhados do piano do Tito Freitas. Ela fez o primeiro show. Quando terminou, eu disse pra um amigo que estava ao meu lado: Vai ficar ruim agora pro Pery Ribeiro, porque ela simplesmente deu um baile de interpretação, estava linda e emocionou todo o teatro, que estava lotado. Claro que depois o Pery também foi maravilhoso, como sempre. No final, os dois juntos com o Tito. Teatro lotado de emoção e aplausos! Salve Fhátima Santos!

Lembranças acesas

Por Dalwton Moura, jornalista, compositor e produtor

“Mas não fala com pobre, não dá mão a preto, não carrega embrulho. Pra que tanta pose, doutor? Pra que esse orgulho?...”. Eita, Fhátima! Você cantando “A banda do distinto”, clássico do Billy Blanco, com o inconfundível, personalíssimo “Mais cedo ou mais tarde ele acaba ‘na chon’”, que só você fazia… Haja lembranças, haja emoção…

Da dureza dos desafios da concretude deste 2025, Fhátima, querida, nem precisaríamos dizer, mas dizemos, que você, o melhor presente que Alagoas nos deus, é uma eterna referência de qualidade, improvisação, interpretação, força, carisma, presença de palco, esmero no repertório, diferenciação na música da nossa cidade. Uma das mais aplaudidas intérpretes desde os anos 90, com sua voz grave, seu ritmo, sua divisão, suas recriações inspiradas, arriscadas, ousadas, para o melhor da canção do Ceará e do Brasil.

Foram muitos e muitos anos de uma carreira extremamente movimentada, com dias em que chegava a se apresentar três vezes. Você marcou época em diversas casas e também participou de festivais da canção, projetos e programações especiais, além de produzir espetáculos em teatros, homenageando artistas como Chico Buarque e Vinicius de Moraes, ao lado de grandes instrumentistas cearenses, outra marca de seu trabalho - sempre em excelente companhia! Nesses shows especiais, na hora dos agradecimentos, por vezes você sentava no palco e compartilhava com o público, comovida, sua alegria, seu cansaço. A vitória de ter conseguido realizar o espetáculo, “jogando nas 11”, sendo produtora de si mesma, absorvendo tantas tarefas e até cantando. E cantando muito!

Lembranças, querida, de sua voz no disco "No Ceará é Assim", dos anos 90, produzido pela Secult Ceará. Do seu CD informal com seis composições de Chico Buarque e parceiros, uma pequena amostra da beleza e do sentimento do show. Do início da gravação do que seria seu primeiro disco autoral, com músicas do maestro Luciano Franco e de parceiros, ele que lhe acompanhou por muitos e muitos anos, nas boas e nas não tão boas. Disco que infelizmente não foi concluído. Mas, quem sabe, ainda pode vir a ser.

Assim como sua voz esteve e está presente em inúmeros discos de compositores cearenses, shows coletivos e comemorativos, “aberturas” para artistas como Leny Andrade, Nana Caymmi (que você pretende homenagear em um novo show, em breve) e Filó Machado. Dos shows marcantes e do especial na TV com o mestre Zé Luiz Mazziotti, ao lado de Fernanda Quinderé, material precioso, hoje no YouTube. Você, Fhátima, segue nos presenteando com sua voz, sua vida, seu segredo, sua revelação. Obrigado pelo presente de, depois de 13 anos de silêncio, voltarmos a ouvi-la e a aprender com você como sentir mais, como sentir melhor.

Foto do Marcos Sampaio

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