Renato Braz se reinventa como cantor em tributo à obra de Tim Maia
clique para exibir bio do colunista
Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Foto: Renê Anselmo Lima/Divulgação
Renato Braz lança disco dedicado às canções de Tim Maia
Tim Maia costumava dizer que com as notas de uma só música de bossa nova ele fazia um disco inteiro. A brincadeira servia para ele dizer que fazia músicas simples diante da complexidade harmônica de Tom Jobim, Baden Powell, Carlos Lyra e outros. Se for para medir por quantidade de notas e acordes, vá lá. Mas Tim Maia também era um compositor de mão cheia e, como poucos, dominava ritmo, groove e levada de uma música, além de ter um vozeirão capaz de estremecer os muros das muitas discotecas que tocaram sua mistura de soul, funk, blues, samba e até bossa nova.
Renato Braz é um cantor de precisão técnica e interpretação profunda, além de fino conhecedor das complexidades da bossa nova - tanto que dedicou o disco "Silêncio" (2014) às canções de João Gilberto. Esse é seu universo de conforto, logo surpreende que ele agora retorne com um álbum dedicado ao soul brother mais encrenqueiro da Tijuca. "Canário do Reino - Uma homenagem a Tim Maia" chegou discretamente às plataformas digitais na última segunda-feira, 13.
Produzido por Renato Braz e Mário Gil, o tributo de 15 faixas, tem momentos surpreendentes e reproduções fieis demais ao original. Mas quando surpreende, surpreende mesmo. Se afastando da sobriedade usual de suas intepretações, "Você" é uma das surpresas. As notas são altas, cercadas de improvisos, falsetes, vibratos e a emoção de quem entrega a alma à canção. Em interpretações mais contidas, são igualmente emocionantes as faixas escolhidas para abrir e fechar o disco: "Eu amo você" e o medley de "A lua e Eu" e "Azul da Cor do Mar", que traz a última gravação de Nana Caymmi. Parecendo vinheta, é uma delicada despedida à cantora falecida em 1º de maio.
Outras boas surpresas em "Canário do Reino" mostram um lado festivo. "Coroné Antonio Bento" reforça o acento nordestino num baião pesado cheio de sopros, percussão e um verso politicamente incorreto, excluído na versão de Tim, mas que faz sentido na voz do paulistano. "Sossego" se espelha na banda Vitória Régia, com um detalhe ou outro de novo, como as menções de "Você e eu, Eu e você" e "Billie Jean", de Michael Jackson. O rei do pop volta a ser citado em "Imunização Racional", que brinca com a introdução de "Aquela Abraço" (que ganhou uma versão matadora de Tim Maia). "Descobridor dos Sete Mares" ganhou uma introdução afropop bacana, mas logo vai para o que já conhecemos e pouco acrescenta.
Além de se aproximar do estilo do homenageado, Renato Braz também buscou trazê-lo para seu terreiro. "A Rã", de João Donato gravada por Tim num tributo à bossa nova (1990), ganha releitura saborosa, cheia de improvisos jazzísticos. Já "Preciso aprender a ser só" (Marcos e Paulo Sérgio Valle), gravada por Tim em 1971, ganha mais uma releitura que pouco acrescenta além do belo solo de piano de Antônio Garfunkel Braz, filho de Renato. Diferente de "Eu e a Brisa", de Johnny Alf, que traz a voz ardida de beleza e melancolia de Áurea Martins.
Nenhuma dessas canções citadas no parágrafo anterior ficou marcada na voz de Tim Maia, embora ele sempre falasse do quanto gostava de bossa nova. Outra coisa que ele gostava muito era de uma certa erva proibida que até ganhou uma homenagem em 1971 sob o singelo apelido de "Chocolate". Ressignificando a letra com um certo ar de malícia, quem canta é Dorival Braz, outro filho de Renato, com uma autêntica voz infantil que cai como luva no arranjo singelo.
"Canário do reino" conta ainda com uma releitura sem graça de "Um dia de domingo", dividida com a desconhecida Beatriz ID, e duas raridades. "Neves e Parques" é uma tristonha canção de saudade do mesmo disco e dos compositores de "Descobridor dos sete mares", Michel e Gilson. E "Over Again", um sambafunk de 1973, em que Braz evoca sem preocupação o canto do homenageado. Ele já havia afirmado essa influência em Fortaleza quando fez um show no CCBNB em 2024. Ali ele adiantou que estava com o projeto de gravar Tim Maia, apresentou uma música e deixou claro que valeria a pena esperar pelo disco que, enfim, chega ao público.
Patrícia Marx começou a carreira como estrela do grupo infantil Trem da Alegria. Já chamando atenção pela voz bem colocada e pela simpatia, ela foi crescendo e buscando espaço na música. Fez canções adolescentes, tentou baladas pop radiofônicas, regravou clássicos da MPB quando ainda não tinha maturidade para tanto (embora "Neoclássico", 1992, tenha seus méritos) e chegou à idade adulta com um trabalho interessante voltado para um soul jazz eletrônico bem pessoal.
Sem nunca mais ter encontrado o sucesso da infância, a paulistana chega aos 51 anos arriscando um novo projeto. "Nos dias de hoje, esteja tranquilo" (Lab 344) é uma homenagem a Ivan Lins resumida a 8 faixas. Muito pouco para um compositor de alcance internacional e mais de 50 anos de carreira. Mas o suficiente para ela passar uma mensagem de autocuidado, valorização do amor e autoafirmação da própria identidade.
Esse último tópico está nas entrelinhas, já que "Nos dias de hoje..." não usa muitos recursos tecnológicos. Tudo foi gravado de forma analógica, ao vivo no estúdio, sem programas que simulam afinação de voz e instrumentos ou outros recursos. Até as vozes foram gravadas de uma única vez, sem repetição ou edição. Por isso tudo soa cru no disco, eventualmente até mais do que deveria (como em "Vieste"), mas o mérito dos acertos fica todo para a cantora e sua banda. Um desses acertos é o samba-canção "Chega", lançado por Ivan Lins no disco "Modo Livre" (1974), que Patrícia canta na medida certa da intensidade. Também é bonito o dueto com Seu Jorge na versão soul de "Abre Alas".
No entanto, a ideia de Patrícia de preservar os arranjos originais tirou a força de canções como "Cartomante", regravada com uma sobriedade excessiva. Sem trazer novas ideias, a comparação com os originais vem rapidinho. Mesmo extraindo pontos positivos, como o solo de piano (André Freitas) em "Ai ai ai ai ai", o disco soa como uma boa ideia que não atinge todo o potencial que poderia ter.
Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página
e clique no sino para receber notificações.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.