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Festival Choro Jazz quer apresentar o Brasil ao Brasil
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

Festival Choro Jazz quer apresentar o Brasil ao Brasil

Reunindo estilos e gerações, Festival Choro Jazz completa 16 edições como fundamental vitrine dos sons do mundo
Tipo Opinião
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MPB-4 em noite apoteótica no Choro Jazz de Jericoacoara
 (Foto: cadu fernandes/ Divulgação)
Foto: cadu fernandes/ Divulgação MPB-4 em noite apoteótica no Choro Jazz de Jericoacoara

No último domingo, dia 7, encerrou na praça principal de Jericoacoara a 16ª edição do Festival Choro Jazz. Desde 2009, o evento tornou-se pretensioso na sua simplicidade. É simples por que é tudo gratuito, em locais abertos, com o público sentado em cadeiras de plástico ou no chão, tomando caipirinha vendida em barracas próximas ao palco. Mas é pretensioso por que a programação conta com estrelas da música brasileira, muitas delas já com uma consolidada carreira internacional. Mas essa equação funciona e atrai um público disposto a ouvir, interagir e dançar sempre possível.

Para se ter uma noção, quem chegou na terça-feira, 2, já viu sobre o palco um corajoso piano de cauda, que atravessou as dunas para ser uma das atrações. Por aquelas teclas, passaram nomes como Luiz Otávio, músico carioca que montou uma banda de cearenses para apresentar seu repertório autoral - a pedido do festival, ele incluiu uma versão de "Georgia on my mind", sucesso de Ray Charles. Outros dois pianistas que estiveram em Jeri foram Amaro Freitas e Salomão Soares. O primeiro, pernambucano, já é presença garantida em muitos festivais pelo mundo. Seu show é hipnótico, não só pela habilidade fascinante que ele tem com o instrumento, como pela teatralidade que fez surgir sons de pássaros, matas, cachoeiras transformando o palco numa grande floresta. Amaro entra e sai do palco sem dizer uma palavra, mas deixa seu recado. Já Salomão, paraibano, fez uma homenagem a João Donato e fez questão de afirmar a beleza e a importância da obra do bossanovista.

Ao longo de seis noites, o Choro Jazz teve outros muitos momentos marcantes, mesmo previsíveis. Já era de se esperar que Rosa Passos entregaria um repertório refinado, com interpretação precisa e aquela simpatia doce que ela tem. Não decepcionou, assim como o MPB-4, que voltou a Ceará para celebrar seus 60 anos de carreira. No repertório, tudo aquilo que o público queria ouvir: "Roda viva", "Por quem merece amor", "Apesar de você", "Amigo é pra essas coisas" e outras.

Mas ali também é espaço para o novo, como o quarteto Tocaia, que transforma tudo - de Rouge ao surf rock "Misirlou" - em forró e simpatia. Já a baiana Lívia Mattos é artista circense e sanfoneira, e usa seu instrumento de forma plural, explorando sonoridades além do Nordeste e garantindo um belo show. O mesmo com Caetano Brasil, clarinetista mineiro, que pensa não só na execução, como na performance. No Choro Jazz, ele se vestiu de sereia, para celebrar o mar ali perto, e apresentou o belíssimo "Pixinverso", disco em que recria o repertório do
"orixá" Pixinguinha.

Contando ainda com o grupo Choro da Esquina, o guitarrista Chico Pinheiro, o compositor Jean Garfunkel e outros, um bom retrato do Festival Choro Jazz foi sua última noite. Na abertura, o Instrumental Picumã recebeu o cantor Pirisca Grecco para misturar música tradicional gaúcha com outras influências várias. Em seguida o paraibano Luizinho Calixto, mestre da sanfona de 8 baixos, trouxe o forró de volta ao palco. Encerrando, Suraras do Tapajós, grupo de mulheres paraenses que combinou a música do Norte com um importante recado sobre a preservação da Amazônia. 

Essa conexão de regiões faz parte de uma nova etapa do Choro Jazz. Depois de anos acontecendo em Jericoacoara e Fortaleza, o festival, em 2024, foi realizado também no Crato e no Pará, sendo um fim de semana em Belém e outro em Soure, na Ilha de Marajó. Em 2025, a ideia era repetir o trajeto, mas Crato e Belém ficaram de fora, mantendo os demais. Em conversa com a Coluna, Ivan Capucho, idealizador e curador do evento, conta que tem planos de levar o Choro Jazz a outros lugares, como o Jalapão (TO), sempre com a ideia de mostrar as diferentes culturas do Brasil para o próprio Brasil. "Tem muita gente para trazer, muita coisa boa para descobrir. O festival está com a cabeça aberta para receber vários tipos de proposta. Não é o choro, não é o jazz. É música boa, não tem fronteiras", avalia.

Hora do adeus?

Além da programação musical, a praça principal de Jericoacoara recebeu uma tenda com exposição de fotos e desenhos. Parte destes eram de Alcy Linares, cartunista paulista, 82 anos, que já trabalhou em veículos como Jornal do Brasil, Veja, Diário Popular e O Pasquim. Há décadas amigo de Ivan Capucho, idealizador do Choro Jazz, ele conheceu o festival na terceira edição. Desde então, tornou-se presença obrigatória.

Vendo a idade avançar, ele está decidindo não vir mais nos próximos anos por causa do esforço físico exigido. "Eu que já era apaixonado por música instrumental especialmente, fiquei encantado com o festival", comenta apontando o show do Duo Assad como um especial. "Eles entraram depois de uma apresentação de gente daqui de Jericoacoara e que tinham envolvido todo o público, feito todo mundo se mexer, se emocionar. Aí entraram os dois para tocar uma música barroca e o Sergio Assad se mostrou um pouco intimidado. Mas eles começaram a tocar e foi impressionante. Essa plateia lotada, num silêncio, rapaz. Uma coisa encantadora", relembra.

Frequentador de festivais em São Paulo, Alcy apresentou no Choro Jazz desenhos de mestres do choro, como Garoto, Zé Menezes, Paulo Moura, Laércio de Freitas, Jacob do Bandolim. "Porque o choro tem uma coisa muito bonita na música brasileira, que eu aprecio demais, que é a melodia e o balanço, o suingue", explica ele que recebeu uma homenagem do Festival, nesta que pode ser sua despedida. "A gente nunca pode falar que não vai dar mais. Para mim, ter vindo esse ano não foi como ter vindo há dois anos. Eu tinha muito mais pique, não perdia nada. A areia parece que está mais fofa, está mais difícil de caminhar. Mas enquanto der, vou aparecer por aqui", projeta.

 

Foto do Marcos Sampaio

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