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Doutor, minha mãe não pode morrer...
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Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho é graduado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutor em Cardiologia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor-associado da UFC, tem experiência na área da medicina, com ênfase em cardiologia, atuando principalmente nas áreas de sistema nervoso autônomo, sistema cardiopulmonar e doença de Chagas. Foi secretário de Saúde do Ceará entre 2019 e 2021

Dr. Cabeto opinião

Doutor, minha mãe não pode morrer...

Do ponto de vista objetivo trata-se de uma geração, a atual, que estabelece o direito da eternidade, do desejo e do prazer. Nada tem a ver com a garantia da sustentabilidade e da necessidade de empatia
Tipo Opinião
Dr. Cabeto, médico (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Dr. Cabeto, médico

Por trás dessa frase, um desespero, uma mistura de sensações. A orfandade e a percepção da finitude mostram-se como atos contínuos.

A morte, essa sim, tem uma culpa! Ou mesmo, precisa de uma culpa para alentar o fracasso da tentativa da imortalidade.

Essa conversa, esse diálogo não tem relação com saberes ou informações técnicas, mas à insegurança sobre os resultados. Afinal, cada um tem sua culpa, seu fracasso exposto no fim.

Nessas horas me vem a lembrança da minha avó materna, a sua imagem diante da música , das lagrimas escorrendo ao lembrar do seu pai, ao ouvir a canção "naquela mesa tá faltando ele...". Transparecia, apesar da saudade, uma aceitação serena da sua partida. Falava- me com simplicidade e segurança sobre o desfecho da vida dos amigos e até da própria vida.

Naquela época, creio, éramos menos prepotentes em relação às adversidades. Restava-nos a capacidade de doar, de conviver e de compaixão.

"Doutor, minha mãe não pode morrer" transcende uma avaliação mais superficial. Espelha, de alguma forma, uma sociedade narcísica. Simplesmente por estabelecer a si mesmo qualidades diferenciadas inexistentes, uma ação pendular entre a satisfação com as qualidades a si atribuídas e a melancolia da constatação do contrário.

Do ponto de vista objetivo trata-se de uma geração que estabelece o direito da eternidade, do desejo e do prazer. Nada tem a ver com a garantia da sustentabilidade e da necessidade de empatia.

Questionei a alguns amigos; a resposta foi rápida e direta, não somos narcísicos e sim queremos ser felizes.

Naquela ocasião, veio à minha lembrança o conto " O imortal" de Machado de Assis, memória da minha adolescência, com os relatos do Homeopata " Dr Leão". A minha curiosidade com o elixir da vida e da morte não me antecipava a percepção da pulsão de morte e imortalidade da psicanálise, que se mostra fruto de um desejo narcísico.

Os anos passaram desde o ocorrido, mas pouco mudou. A insistência pela imortalidade associa- se, também, a incapacidade para o sofrimento. Traço tão marcante da nossa personalidade atual ou mesmo, do nosso comportamento imodesto.

Enfim, eis aqui apenas uma dúvida e uma reflexão; por Clarice " a nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade".

Também faz lembrar Vinicius de Moraes: " que não seja imortal posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure".

 

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