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Os números trágicos e o conformismo inaceitável
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Editorial opinião

Os números trágicos e o conformismo inaceitável

Tipo Opinião

Há um ano o Ceará encontrava-se em meio a um violento motim na Polícia Militar (que durou de 18 de fevereiro e 2 de março de 2020), cuja deflagração foi entendida, nos meios políticos democráticos, nacionais e por especialistas, como um possível ensaio para algo ainda mais amplo e mais temível: uma eventual desestabilização da ordem jurídica democrática. Era um momento de escalada de movimentos radicais de extrema direita, alentados pelo governo central. Desencadeou-se um espetáculo de invasões a batalhões, e de investidas de homens encapuzados e armados nas ruas, gerando uma sensação de insegurança generalizada.

Passado o vendaval, aqueles acontecimentos ainda não foram totalmente destrinchados, nem seus responsáveis apenados definitivamente pela Justiça. Também não têm sido eficazes as respostas do aparelho de segurança do Estado à contenção da criminalidade que assoberba a vida dos cidadãos. Em plena pandemia, com a diminuição das atividades sociais, seria de esperar a queda nos índices de violência. Foi o contrário: enquanto em 2019, o Ceará registrou 2.259 crimes violentos letais intencionais (CVLI), o ano de 2020 terminou com 4.039, configurando um aumento de 79%. Já as mortes por intervenção policial também saltaram nesse período de 136 ocorrências para 145, com um recorde de 35 casos apenas em abril. Em janeiro deste ano, já se tinham 20 mortes por intervenção policial.

A realidade é que o País continua produzindo estatísticas no campo da segurança pública às quais precisamos reagir com mais inconformismo. São números próprios a um quadro de guerra, inaceitáveis e que assim precisam ser entendidos, por todos, na perspectiva de se criar um ambiente de mudança que deve começar a se estabelecer já. Não temos mais tempo a perder.

Simplesmente registrar os números da violência que nos cerca e lamentá-los não basta mais. É preciso que nos conscientizemos do drama humano que envolve cada uma das milhares de mortes que ano a ano contabilizamos sem, aparentemente, uma disposição real de se estabelecer um debate profundo sobre as causas e, ao contrário, optando-se por lançar um foco quase único nas ações que enfrentam apenas as consequências e que, até por isso, já se demonstraram insuficientes.

Infelizmente, o ano de 2020, além de todas as tragédias pessoais, familiares e coletivas vinculadas à dramática crise sanitária gerada por um vírus ameaçador que passou a circular entre nós, também deixou como marca o nosso novo fracasso, como sociedade, no esforço de construir um ambiente em que a morte violenta ainda seja capaz de chocar. De novo, demonstramos pouca capacidade de indignação diante de uma realidade que não é aceitável e isso precisa mudar. n

 

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