
O que O POVO pensa sobre os principais assuntos da agenda pública
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"Meu ciclo acabou. Sinceramente, estou morrendo. E o guerreiro tem direito ao seu descanso". Um apelo de tom corajoso para que fosse deixado quieto, registrado na última entrevista dele publicada, já em janeiro deste 2025, que indicava a face mais serena de José "Pepe" Mujica, um líder político uruguaio de esquerda, de alcance e influência global, que teve a morte anunciada na última terça-feira, dia 13, aos 89 anos.
O clima de perda que marcou os dois dias de velório que precederam a cremação do corpo realizada na sexta-feira, dia 16, expõe o tamanho da lacuna que se abre no cenário político contemporâneo. Ao ponto de ser lamentada também em setores da direita uruguaia, de um ponto ideológico que ele nunca frequentou, demonstrando que o peso do seu exemplo vai além das diferenças que dividem o mundo em ideologias.
Mujica nunca balançou em suas convicções. Um tempo da sua vida, inclusive, foi dedicado à luta armada, quando acreditava que era possível implantar sua ideologia através da violência e da força. Algo que lhe custou 15 anos de encarceramento, em quatro prisões, boa parte do tempo em condições consideradas desumanas, sem contar os registros no corpo de seis balas após confrontos dos quais participou como integrante do grupo guerrilheiro Tupamaros.
Desde sua libertação em 1985, como resultado de um reencontro do Uruguai com a democracia, passou a atuar dentro da institucionalidade e ajudou a fundar o Movimento de Participação Popular (MPP), partido ao qual ainda estava vinculado quando da morte. Livre dos radicalismos, se integrou à Frente Ampla, coalizão de centro-esquerda pela qual se elegeria deputado, depois senador, com experiência de ministro pelo caminho, até que, em 2010, assumiu a presidência daquele país para um mandato de cinco anos.
Mujica, feito o balanço completo de sua trajetória terrena recém-finda, passa a oferecer em memória um legado que a política global deveria honrar. De alguém que lutou sempre pelas suas convicções, em momentos até no sentido literal do verbo, mas que abandona o plano terreno oferecendo a força do exemplo de quem não deixou que o fato de ter alcançado seus maiores sonhos - no caso dele a presidência do seu país - transformasse sua personalidade.
Chegava a ser espantoso, para muitos, o grau de simplicidade que Mujica oferecia na sua reclusão. A partir da chácara simples onde passou a morar, próxima a Montevidéu, recebia jornalistas e líderes regionais importantes que o procuravam com frequência cada vez maior, ao ponto de obrigá-lo a fazer o apelo do início deste texto. A política mundial sentirá a falta dele, especialmente na América do Sul, mas, como efeito atenuante, aponte-se aquilo que expressou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu amigo pessoal há pelo menos 40 anos: "Pessoas como Pepe Mujica não morrem". A ver. n
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