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Despejo de agrotóxicos nas casas de Quixeré expõe riscos dos trabalhadores rurais
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Editorial opinião

Despejo de agrotóxicos nas casas de Quixeré expõe riscos dos trabalhadores rurais

Enquanto a Polícia Civil investiga o incidente, fica clara a urgência de expandir o debate para abarcar as consequências sanitárias e de segurança da pulverização de agrotóxicos no Ceará

Os casos de despejo de agrotóxicos em uma comunidade no Vale do Jaguaribe reforçam a importância da discussão sobre o uso de pesticidas para além da pauta econômica no Estado. Em 19 de agosto, o composto químico Terbufós — usado para controle de vermes, besouros e outras pragas agrícolas — foi jogado em áreas comuns e em uma residência do município de Quixeré (CE), provocando uma sensação de "medo geral" nas comunidades, como denunciado pelo Padre Júnior, da Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte.

É significativo que o incidente tenha ocorrido em um contexto de críticas à aprovação do uso de drones para a pulverização de agrotóxicos em plantações cearenses. A pulverização aérea de agrotóxicos é vetada no Ceará desde 2019 pela Lei Zé Maria do Tomé, agricultor e ativista assassinado em Limoeiro do Norte por lutar contra o uso de pesticidas e por denunciar o adoecimento da população em decorrência dos produtos.

O composto químico identificado no ataque de 19 de agosto pode levar ao "desenvolvimento de sintomas neurológicos, e a depender da dose e tempo de exposição, fraqueza muscular, paralisia, crise colinérgica e morte", como explicado pela médica endocrinologista Eveline Fontenele, do Hospital Universitário Walter Cantídio, ao repórter e colunista do O POVO Carlos Mazza.

O Tribunal Regional do Trabalho do Ceará (TRT-CE) denuncia há mais de uma década a insegurança de trabalhadores rurais de Limoeiro do Norte e de Quixeré, dos quais aproximadamente 99% são expostos a agrotóxicos e cerca de 30% apresentam sintomas de intoxicação aguda. Segundo o Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde para a Sustentabilidade (Tramas) da Universidade Federal do Ceará (UFC), a taxa de mortalidade por câncer na região é 38% maior do que em municípios que não utilizam agrotóxicos.

Enquanto a Polícia Civil investiga o incidente, fica clara a urgência de expandir o debate para abarcar as consequências sanitárias e de segurança dessa prática. O agronegócio é a base da economia cearense e brasileira, mas também é um dos principais atores na violência em zonas rurais. O poder público, portanto, não poderia ignorar este fator ao legislar sobre o uso de compostos químicos altamente tóxicos.

Existem diversas estratégias capazes de conciliar a produção econômica com o bem estar da natureza e das comunidades rurais, e de reduzir o uso de compostos químicos já proibidos na União Europeia e com classificação IA (extremamente perigoso) pela Organização Mundial da Saúde (OMS). É o caso do Manejo Integrado de Pragas (MIP), da rotação de cultivos, o controle biológico e até mesmo o sistema agroflorestal.

Além de uma apuração célere e rigorosa do caso pela Polícia Civil, o ataque expõe a necessidade de um olhar integrado para a vida no campo — um que considere a importância da agricultura para o mercado, mas que priorize a segurança dos trabalhadores e moradores das regiões agrícolas.

 

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