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Faltam dados sobre violência sexual contra crianças e adolescentes
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Editorial opinião

Faltam dados sobre violência sexual contra crianças e adolescentes

Em quase 97% da totalidade de registros, o "grau de parentesco ou vínculo com a vítima" aparece como "Não informado". Esse dado alarmante, mote de reportagem publicada no O POVO, mostra como é difícil a construção de um retrato completo de uma realidade complexa
Tipo Opinião

Entre 2009 e 2024, houve 6.877 indiciamentos de pessoas suspeitas de abusar sexualmente de crianças ou adolescentes no Ceará. Dentre tais registros, apenas 261 elucidam o grau de parentesco entre vítima e agressor.

Ou seja, em 6.616 casos — quase 97% da totalidade de registros — o "grau de parentesco ou vínculo com a vítima" aparece como "Não informado". Esse dado alarmante foi mote de reportagem publicada no O POVO, nessa quinta-feira, 25, e disponibilizada antecipadamente para assinantes do OP . O material partiu de dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) para traçar um diagnóstico de omissão, que dificulta a construção de um retrato completo de uma realidade complexa.

A própria estatística de indiciamentos expõe de forma crua a complexidade da situação. No mesmo período, entre 2009 e 2024, o Estado contabilizou 23.006 crianças ou adolescentes vítimas de violência sexual. Em média, são quatro casos por dia. O número de indiciamentos, porém, chega a menos de um terço do total de registros. Some-se a isso a incompletude dos dados sobre os agressores, e o combate a esses crimes fica ainda mais complicado.

Sobre a diferença entre o número de vítimas e de suspeitos de agressão, a Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), que compilou os dados, ressalta que "a quantidade de relacionamentos pode não corresponder à quantidade de indiciados/suspeitos identificados". O argumento é que o indiciado pode cometer mais de uma ação criminosa, contra mais de uma vítima, possuindo diferentes relacionamentos com cada uma das pessoas agredidas.

É necessário, entretanto, ressaltar o que dizem os especialistas. Integrante da Comissão de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes do Fórum DCA Ceará, Lídia Rodrigues lembra que casos de abuso "geralmente acontecem dentro de casa". "(O agressor) Não é o estranho na rua. É o tio, o pai, o padrasto, o irmão. É alguém com quem a criança convive e em quem confia", argumenta. Mas os dados oficiais — incompletos — não ajudam a dimensionar a questão.

Segundo avaliação de especialistas ouvidos pelo O POVO, a ausência de um dado essencial como o grau de parentesco entre vítima e agressor dificulta a construção de políticas públicas de combate ao abuso sexual contra crianças e adolescentes. Em última instância, pode ajudar a gerar impunidade para os perpetradores de atos hediondos contra pessoas em situação de vulnerabilidade.

O levantamento via LAI em que se ancora a reportagem assinada por Wanderson Trindade e Ayuri Reis, ilustra outros pontos centrais nesta difícil construção de políticas públicas. Sabe-se, a partir dos dados, que 95% dos indiciados são homens, com quase 86% das vítimas sendo meninas. São dados importantes. Mas, quando incompletos, pintam apenas parte do cenário.

É necessário um esforço conjunto entre as diferentes esferas de investigação e persecução judicial, de forma a preencher tal lacuna. É um passo essencial para a construção de políticas públicas efetivas de proteção da juventude no Estado do Ceará. O foco principal precisa ser a redução do número de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Para isto, é necessário transparência. n

 

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