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Artigo - Vladimir Herzog: e a retomada da democracia no país
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O jornalista Eliomar de Lima escreve sobre política, economia e assuntos cotidianos na coluna e no Blog que levam seu nome. Responsável por flashes diários na rádio O POVO/CBN e na CBN Cariri.

Artigo - Vladimir Herzog: e a retomada da democracia no país

O jornalista e cineasta foi assassinado aos 38 anos pela ditadura militar
Tipo Opinião
 (Foto: Arquivo)
Foto: Arquivo

Vladimir Herzog, jornalista e cineasta, foi assassinado aos 38 anos por militares no interior do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) de São Paulo no dia 25 de outubro de 1975. As torturas, execução e tentativas do regime militar em se eximir das responsabilidades pela morte do jornalista levantaram grande revolta na população brasileira, tornando o assassinato de Vladimir um caso emblemático para a retomada da democracia no país.

Nascido em 27 de junho de 1937 na cidade de Osijek, antiga Iugoslávia e hoje Croácia, Vlado Herzog passou pouco tempo em seu país de origem. Vindo de uma família de judeus, os pais do jornalista buscaram abrigo na Itália após a ocupação dos nazistas na Iugoslávia em 1941. Passado um tempo, buscaram abrigo no Brasil, onde Vladimir se naturalizaria. Escolheu esse nome por acreditar que Vlado era muito incomum para os brasileiros, algo revertido pelos amigos que futuramente o usariam como apelido e forma de demonstrar carinho por ele.

Vladimir sempre preferiu os livros ao invés dos esportes, daí veio seu desejo de estudar Filosofia, onde o realizou na Universidade de São Paulo. Em seu envolvimento com o cinema, surgiram trabalhos como o filme Marimbás (1963); o curta-metragem "Subterrâneos do Futebol" (1965) e o início do roteiro do filme "Doramundo", filmado somente depois de sua morte. Já sua carreira no jornalismo inicia pelo estágio no jornal O Estado de S. Paulo, em 1958, e no ano seguinte foi admitido na redação, mesmo ano que iniciou a graduação na área.

Esse período foi importante também na vida pessoal de Herzog. Em 1962 conheceu Clarice Chaves, estudante de Ciências Sociais, com quem casou em fevereiro de 1964, pouco antes da ditadura militar ser deflagrada no Brasil. Privados do convívio de muitos amigos que partiram para o exílio e também pela impossibilidade de continuar na busca de seus interesses profissionais e intelectuais devido à ruptura da democracia, Vladimir e Clarice se mudaram para Londres em 1965, onde ele foi trabalhar no serviço brasileiro da BBC.

O casal retornou ao Brasil em 1968 com os dois filhos, Ivo e André, que nasceram na Inglaterra. Vladimir Herzog tinha uma promessa de emprego na TV Cultura, mas logo essa proposta foi suspensa porque o nome do jornalista estava presente em listas de supostos comunistas, algo que não se podia dizer como verdade, mas pelas amizades que tinha era algo incontestável para o regime militar. Na década de 1970 foi editor cultural na revista Visão e nesse período se filiou ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), compreendendo que a postura do partido naquele momento da história do Brasil condizia com o que ele acreditava. Era preciso denunciar as violações de direitos humanos cometidos pela ditadura e reerguer a democracia no país.

Depois do trabalho na revista Visão, Vladimir se tornou diretor de jornalismo da TV Cultura. Ele foi indicado por Fernando Jordão e teve seu nome aprovado pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de controle político do regime. Entretanto, sua postura política e sua forma jornalística em apresentar o Brasil real, com suas desigualdades sociais gritantes, incomodou defensores da ditadura militar. E por isso na noite de 24 de outubro de 1975 dois agentes o procuraram no trabalho para "prestar esclarecimentos" sobre seu envolvimento com o PCB.

Vladimir Herzog se apresentou voluntariamente na manhã do dia seguinte, 25, após ter entrado em acordo na noite anterior com os agentes. E ali, no Bairro do Paraíso em São Paulo, onde funcionava o DOI-CODI, foi torturado até à morte. Não diferente de muitos presos políticos da época, foi encapuzado, amarrado, sufocado com amoníaco e submetido a espancamento e choques elétricos. O próximo passo dos torturadores foi forjar o suicídio do jornalista, querendo se esquivar de qualquer responsabilidade.

A farsa do suicídio era tão óbvia que gerou grande revolta entre amigos, familiares e movimentos sociais. Um ato inter-religioso em homenagem a Herzog reuniu 8 mil pessoas na Praça da Sé, em São Paulo, no dia 31 de outubro de 1975. Esse momento é considerado a primeira grande manifestação contra a ditadura militar desde a instauração do Ato Institucional N° 5.

Desde a morte do marido, Clarice Herzog lutou incansavelmente para a justiça ser feita e o Estado brasileiro ser responsabilizado pelo crime. O caso tomou proporções internacionais, chegando à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Em 04 de julho de 2018 a CIDH condenou o Brasil por não investigar e punir os responsáveis pela tortura e morte de Vladimir Herzog.

A trajetória de Vladimir Herzog, o Vlado, foi constantemente atravessada pela luta em defesa da liberdade de expressão e da democracia. Hoje é um dia para refletirmos sobre a importância do que a sociedade brasileira já construiu até aqui, e não permitir jamais para que se volte a tempos tão cruéis de repressão que tentaram calar tantas vozes. Ditadura nunca mais!

Filomeno Moraes é Doutor em Ciência Política

Foto do Eliomar de Lima

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