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Artigo - A profanação da república
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O jornalista Eliomar de Lima escreve sobre política, economia e assuntos cotidianos na coluna e no Blog que levam seu nome. Responsável por flashes diários na rádio O POVO/CBN e na CBN Cariri.

Artigo - A profanação da república

"Chega a ser quase desesperador perceber toda essa profanação da República, sendo feita em nome de uma 'pátria amada', por eles imaginada", aponta em artigo o jornalista e sociólogo Arnaldo Santos
Tipo Opinião
Arnaldo Santos é jornalista e sociólogo (Foto: DIVULGAÇÃO)
Foto: DIVULGAÇÃO Arnaldo Santos é jornalista e sociólogo

Consoante é do conhecimento quase geral, no significado bíblico, o vocábulo verbal profanar quer dizer desrespeitar tudo o que, pela fé, é considerado sagrado, santidade - Deus, um templo religioso, um túmulo, apenas para citar os mais simbólicos do termo.

Em Wikipédia, encontramos Chilul Hashem (em hebraico, “profanação do nome [de Deus]”), expressão empregada no Judaísmo, particularmente para qualquer ato ou comportamento que envergonha ou traz descrédito à crença em Deus e à observância da Torah e da Halachah.

Em sentido figurado, profanar é tratar de maneira ofensiva - ofender, proferir insultos e ofensas contra algo digno de respeito, macular: profanar a arte. Configura, também, tornar indigno pelo uso de algo profano, o que não tem ligação com o aspecto religioso.

É algo como os insultos desferidos quase todos os dias contra autoridades e à Nação, pelo ocupante do Palácio do Planalto, com seu estilo tosco de ser, bem como de alguns dos seus ministros, como o do “mal” ambiente, cujos atos têm profanado não só os mangues e restingas, mas principalmente a Amazônia, e o Pantanal, enquanto a boiada que ele tenta passar é calcinada pelo fogo.

Uma parcela dos seus seguidores, especialmente aqueles acometidos pela patologia da “idiotia”, não aceitam, negam, e insistem em não querer enxergar, mas sem qualquer esforço, é possível identificar no comportamento do Presidente Jair Bolsonaro, a profanação da República, no sentido figurado do termo, tanto no continente como no conteúdo de várias declarações e ações.

Examinando algumas, apenas no âmbito da institucionalidade, as mais emblemáticas dessas profanações são as que atentam contra a democracia, por via dos ataques e da aversão que o Presidente sente pelos dois outros poderes montesquieuanos, reiteradas vezes manifesta sem qualquer escrúpulo, na presunção de fazer parecer para a sociedade que seriam indignas do Estado, pelo fato de tantas vezes terem reparado ações impróprias do seu governo, quando na verdade indigno mesmo é o seu comportamento apequenado perante a sociedade. Mais profano - impossível!

Aliás, dessa profanação nem o Exército, uma instituição emblemática para a Nação, historicamente a mais bem avaliada pela população, depois da igreja católica, escapou, e vive hoje uma situação aviltante em relação às demais forças militares e da sociedade, em razão das humilhações públicas de que é alvo, impostas pelo Presidente.

No decurso desse governo, alguns generais-ministros são, recorrentes vezes, submetidos a campanhas difamatórias, e servem até de chacotas para a chamada ala ideológica do governo, como ocorreu com o general Eduardo Ramos, Ministro da Secretaria de Governo, que foi chamado de Maria fofoca, pelo Ministro do “Mal” Ambiente – Ricardo Salles, com o obsequioso silêncio do Presidente, que, há alguns dias, já havia passado um pito no ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, desautorizando-o publicamente no episódio da compra das vacinas.

A surpresa ficou debitada à atitude do General, que fez Duque de Caxias se revirar no túmulo quando esse, no dia seguinte, agindo como o vassalo, diz em rede nacional de televisão: “aqui um manda e o outro obedece”; tudo por apego ao emprego de Ministro, quando, por honra ao Exército, deveria ter se demitido, com vistas a não submeter a instituição a esse vexame.

Há outra ainda mais grave, pois agride, desrespeita e desafia, não só a inteligência coletiva dos brasileiros, mas também atenta contra algo que é sagrado para a humanidade. Reporto-me à profanação amiudemente praticada por esse governo contra a Ciência, que, a meu sentir, depois da vida, talvez seja o bem mais importante para o homem, mas que, mediante o negacionismo profano, que se observa no cotidiano, com procedência na percepção dos valores e ações externadas até aqui pelo Presidente, nos expõem a todos perante o mundo.

Essa profanação que o Presidente e os “terra-planistas” fazem contra a Ciência nos remete à falsa ideia (algo que muitos desses também não têm, sobre nada, ou coisa alguma), como se em nosso País, ainda vivêssemos no período glacial mais recente, que teve início há 21 mil anos, e findo há 11,5 mil anos, “período geológico denominado de quaternário”, quando houve “grande extinção de animais da crosta terrestre”.

Ante todas essas evidências, não a Terra, como um todo, mas talvez o Brasil, esteja a reclamar da natureza, pela reedição de um novo período “glacial-quaternário”, que provoque a extinção desses animais do mapa político brasileiro. Desde já, advirto, não será por intermédio de alianças eleitorais oportunistas e pseudoesquerdistas que começam a se esboçar às escondidas por aí. Isso também é profanar a política.

Essa profanação também está presente - e com nítido viés eugênico - no sentimento de desprezo pela vida dos brasileiros, demonstrado pelo Presidente, desde que fomos surpreendidos pela pandemia, ao adotar um comportamento desdenhoso em relação à letalidade do coronavírus (já são mais de 160 mil mortos), pela desídia das ações do seu governo, ratificado agora pela guerra de egos com o filhote de fascista, governador de São Paulo, João Dória, no episódio das vacinas, no momento em que o País está na iminência de ter que enfrentar a segunda onda de tão grave patologia.

Tão, ou ainda mais profano - e que virou rotina nessa República, vitimada pela idiotização dos seus mandarins e Marias fofocas, no dizer do ministro do “Mal” Ambiente - é o tratamento desrespeitoso, indigno, misógino, preconceituoso, racista e homofóbico, perfilhado pelo senhor Presidente República, em relação aos cidadãos honestos e trabalhadores, que formam essa grande Nação, multicultural.

Um exemplo pronto e acabado dessa realidade ocorreu há uma semana, no Maranhão, quando, se utilizando da estrutura estatal, a pretexto de visitar uma obra do seu governo, foi fazer política para seus candidatos naquele Estado, e, por querelas políticas com o governador Flávio Dino, agrediu o povo maranhense, e toda a Nação, para, no dia seguinte, depois da repercussão negativa provocada pela “brincadeira”, sem graça de menino amarelo, como é do seu estilo, processado pelo Governador do Estado, e vários partidos da oposição, vir a público, com cara de falso arrependimento, apresentar um constrangedor e pálido pedido de desculpas.

Também é consabido que, para o povo brasileiro e o mundo, a Amazônia, com seu rico e vasto bioma, de densas florestas tropicais com a maior bacia hidrográfica do Planeta, assim como o Pantanal, são considerados sagrados e não deviam ser profanados como vêm sendo; ao contrário, deviam ser preservados.

Pesquisa encomendada pelo Greenpeace, ao DataFolha, e publicada na última semana, mostra que 87% da população, com nota máxima de 9,7, quer a preservação da Amazônia, não só para a vida animal com sua múltipla biodiversidade, mas para as populações em escala planetária, e principalmente por ser fator de desenvolvimento econômico para o nosso País.

Pelos números expressos pela pesquisa, constata-se que, mesmo a Nação estando dividida por irracionais questões ideológicas, quando se trata de manter a floresta de pé, o povo está unido em todos os estratos sociais.

Em sua amostra, a pesquisa ouviu as mulheres e os jovens nas várias faixas de idade, renda e de escolaridade superior e média, das diversas regiões do País, assim como os empresários, profissionais liberais, representantes das igrejas, ONGs e populações indígenas, dentre outros.

A pesquisa também quis saber qual o sentimento da população em relação ao grau de responsabilidade do governo sobre as queimadas e a destruição das florestas, e, para 75% dos entrevistados, a responsabilidade é do ministro do “Mal” Ambiente, e 72% acham que a responsabilidade por essa destruição é do Presidente da República, resultado que não surpreende a ninguém e que somente estes, por ignorância e má-fé, preferem desprezar.

Em razão desses números que evidenciam a consciência da sociedade brasileira sobre a importância e necessidade de se preservar a Amazônia, cabe a pergunta: em sã consciência, como e por que se profana um patrimônio da humanidade, de riquezas múltiplas como esse, como vem fazendo o governo, com ação direta do ministro do “Mal” Ambiente?

Por último deve ser dito que a mais profana das profanações que esse governo e seus vassalos exercitam desde o primeiro dia, além da dilapidação do patrimônio público, e a acentuada dizimação de suas riquezas naturais, é a pressão psicológica exercida pelo autoritarismo, que afeta o homem de mente sã, erodindo o sentimento de brasilidade e de povo solidário que sempre nos guiou, levando-nos a esse clima de divisão e hostilidades mútuas sem precedentes em nossa história recente.

Chega a ser quase desesperador perceber toda essa profanação da República, sendo feita em nome de uma “pátria amada”, por eles imaginada, sobre a qual tanto falam na propaganda na televisão.

Nesse contexto, resgato o pensamento de Rui Barbosa, que tanto quanto os que estão hoje no poder, apesar do discurso liberal, enxertado por ideias políticas pretensamente modernizadoras, em sua época, também foi um político conservador, mas com uma grande diferença - era inteligente e um intelectual respeitado.

Sobre a pátria ele afirma:” […] A pátria não é ninguém; são todos; e cada qual tem no seio dela o mesmo direito à ideia, à palavra, à associação. A pátria não é um sistema, nem uma seita, nem uma forma de governo; é o céu, o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da liberdade.

Comentários e críticas para: arnaldosantos13@live.com

Arnaldo Santos é jornalista, sociólogo e doutor em Ciências Políticas

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