
O jornalista Eliomar de Lima escreve sobre política, economia e assuntos cotidianos na coluna e no Blog que levam seu nome. Responsável por flashes diários na rádio O POVO/CBN e na CBN Cariri.
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Urge reafirmar que ao fidalgo açoriano Pero Coelho de Sousa deve ser concedido, sem favor, o título de fundador do Ceará (Nova Lusitânia) e de Fortaleza (Nova Lisboa). Não obstante os méritos do guerreiro português Martim Soares Moreno e do invasor flamengo Matias Beck. Por pertinente, não se confunda os vocábulos fundador, invasor e colonizador.
Ao português não cabe o título, posto que foi apenas coadjuvante na expedição pioneira em que Pero Coelho foi Capitão-mor. MSM só recebeu título idêntico em 1611, mercê de rogos ao Rei de Portugal, sem olvido de sua coragem e ousadia, assim como dos relevantes serviços prestados à Coroa, desde os 17 anos quando foi à guerra contra franceses, na Ibiapaba, sob o comando de Pero Coelho.
Essa personagem mítica Soares Moreno é fruto sazonado saído da pena criativa do insuperável romancista José de Alencar, cuja poderosa força de sua criação literária não apenas estabeleceu o “guerreiro branco” como fundador do Ceará, como conseguiu popularidade ímpar entre os escritores brasileiros, a ponto de nossa terra ser adjetivada como Terra Alencarina ou, relativamente à sua personagem mais famosa, Terra de Iracema. A força da ficção alencarina sobrepujando a história será tema de outro artigo.
Por agora, vale lembrar a quantos exaltam Soares Moreno, e mais ainda aos que tecem loas a Matias Beck, a procedente admoestação de Capistrano de Abreu: “A história quando é escrita com precipitação, sem o conhecimento exato dos fatos e de todas as circunstâncias que a eles se prendem, e onde o autor, poeta ou romancista, dá largas à sua imaginação, deixa de ser história, é romance, é poema, deleita, agrada, distrai, mas não instrui e não adianta idéia alguma (...) Ou história verdadeira ou romance, tem-se a escolher, mas fazer romance em assuntos sérios, só um espírito superior disso é capaz.”
Quanto a Matias Beck, como tantos outros mercenários a serviço da Companhia das Índias Ocidentais, já arquejante em meados do século XVII, quando aqui aportou o flibusteiro dos mares, na verdade, ele e os seus patrícios não passavam de piratas, saqueadores que invadiam, pilhavam e tomavam o rumo da pátria para levar o butim aos chefes da grande empresa multinacional que foi a Companhia das Índias Ocidentais. Gustavo Barroso observa que “dispunham os holandeses de chefes e soldados mercenários de variada procedência, todos profissionais da arte da guerra”, os quais não vislumbravam a construção efetiva de uma nação nas terras invadidas, como os portugueses.
O que os movia era a cobiça para o enriquecimento e o sentido do negócio, empreendimento a soldo da dita Companhia. Basta ler o relato do que fizeram nos três assaltos ao convento de Nossa Senhora da Penha, no Espírito Santo, “sequiosos das alfaias, pratarias e jóias do cenóbio” e movidos pela crueldade própria dos piratas, como registra Gustavo Barroso. Matias Beck não pode ser pintado diferentemente. Ademais, foi um fracassado. Ficou patinando em torno de um forte que construiu em lugar já descoberto e habitado. “Não nos veio nenhuma conquista geográfica nessa região pela curiosidade flamenga”, assevera Câmara Cascudo, até porque os flamengos, treinados para a pirataria e para “a navegação flibusteira dos batavos”, eram “péssimos caminhadores, preferindo a indecisão dos ventos à monotonia das estradas silenciosas e traiçoeiras.”
Com efeito, conforme a lembrança de Cascudo, “Matias Beck foi a expressão mais audaz e não ultrapassou as costeiras serras da Taquara e de Maranguape”, ou seja, vinte e poucos quilômetros sertão adentro. Um nada para quem recebeu tanto investimento, posto que o retorno da invasão beckiana “se teria limitado a uns sinais débeis de uma mineração infeliz.”
Barros Alves é jornalista, poeta e assessor parlamentar
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