O jornalista Eliomar de Lima escreve sobre política, economia e assuntos cotidianos na coluna e no Blog que levam seu nome. Responsável por flashes diários na rádio O POVO/CBN e na CBN Cariri.
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A prisão de Walter Delgatti Neto, realizada na manhã desta quarta-feira, abre caminho para uma delação premiada que incrimina a deputada federal Carla Zambelli e o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Desde que foi solto de sua segunda prisão, com tornozeleira eletrônica, ele tem conversado com algumas pessoas, inclusive com um produtor que trabalha num projeto de documentário sobre seu papel na política recente do País, desde a Vaza Jato.
Numa dessas conversas, em 16 de julho, após duas semanas preso, ele contou que tinha prestado depoimento revelador aos policiais federais. Delgatti considerou essa prisão, decretada no final de junho pela 10a. Vara Federal do Distrito Federal ilegal, mas entendeu que foi uma oportunidade para falar sobre os serviços que prestou a Carla Zambelli e Bolsonaro, dos quais se arrepende.
"Eu fui preso totalmente ilegal. Eles fundamentaram que eu usei internet, sendo que eu podia usar internet, e a mudança de endereço que eu fiz no fórum, ou seja, de qualquer forma, por isso é que eu fui solto rápido, porque ele viu que fez m… Só que ele disse que não sabia, mas o juiz tem o dever de saber. Porque, assim que o TRF-1 derrubou as cautelares, o TRF oficiou o juiz. O juiz é que não leu o ofício", declarou.
O juiz em questão é Ricardo Leite, que mandou soltar Delgatti com base em um HC apresentado pelo advogado Ariovaldo Moreira, que defende o hacker desde sua primeira prisão, em 2015, em Araraquara.
Delgatti foi acusado por um promotor da cidade de vender remédios de tarja preta sem receita médica, o que caracteriza tráfico de drogas. Ele foi absolvido, mas, algum tempo depois, hackeou a conta do promotor no Telegram, por considerar que tinha sido perseguido. Foi a partir daí que Delgatti hackeou muitas pessoas, inclusive Deltan Dallagnol, em cuja conta encontrou os arquivos digitais apreendidos na operação Spoofing.
Nesta prisão no final de junho, os seguidores de uma live no Tiktok puderam acompanhar ao vivo. Foi tudo involuntário, claro. É que ele fazia a transmissão ao vivo com uma especialista na rede social, Landa Vasconcelos, quando os policiais apertaram a campainha. Ele manteve a live, enquanto os policiais apresentaram o mandado de prisão.
Landa confirmou a história, mas ela não tem acesso às imagens, que estão na conta do Delgatti no Tiktok. No entanto, ele não consegue mais acessar a conta, porque a senha está gravada no iPhone que foi apreendido pela Polícia Federal.
"Fui muito bem tratado pelos policiais federais", contou Delgatti. "No final eu vou ajudar a prender a Carla e o Bolsonaro", afirmou a esse interlocutor, numa mensagem escrita. No final do texto, ri: "sahahauuaua".
No caminho até a prisão, os policiais até fizeram selfie com Delgatti, e ele já foi ali mesmo contando muito a respeito de seu trabalho para Carla Zambelli. O ponto mais importante é sobre o encontro que teve com a deputada federal em setembro, no restaurante da rede Frango Assado na rodovia Anhanguera, entre Ribeirão Preto e Campinas.
Delgatti não se lembrava do ponto exato do restaurante, mas deu uma dica aos policiais. Logo depois que terminou a reunião, o motorista da deputada, que o havia buscado em Ribeirão Preto, o levou de volta à cidade, juntamente com uma assessora de Carla Zambelli, e eles pararam numa farmácia para comprar remédio para azia.
Foi Delgatti quem pagou, com um pix. A conta no PicPay foi rastreada, e os policiais localizaram o Frango Assado mais próximo dali. A PF teria obtido as imagens registradas pelas câmeras de segurança e, segundo o que Delgatti contou a esse interlocutor, conseguiram até descrever parte do que falaram, com base na leitura labial.
Bolsonaro entra na história nesse encontro, já que Carla Zambelli teria dito a Delgatti que tinha uma missão do então presidente para ele. O objetivo seria invadir o sistema do Tribunal Superior Eleitoral, para desacreditar as urnas eletrônicas. Depois desse encontro, Delgatti se mudou para Brasília, e ficou hospedado no apartamento funcional da deputada.
Delgatti teve um encontro com Bolsonaro, no Palácio do Alvorada, e depois falou com ele por telefone. O encontro no Alvorada durou mais de duas horas, e ele foi levado para lá pela deputada e pelo irmão dela, Bruno, que é deputado estadual em São Paulo.
Depois, segundo Delgatti, ele falou com Bolsonaro por meio de um celular novo, que Carla Zambelli tirou da caixa e colocou um chip que estaria sendo usado pela primeira vez. Bolsonaro pediu a Delgatti que assumisse a gravação clandestina de uma conversa com o ministro do STF, Alexandre de Moraes.
Bolsonaro não mostrou a gravação nem disse como a tinha obtido. Delgatti suspeita que não houvesse gravação ainda. Depois que o senador Marcos do Val (Podemos-ES) declarou que tinha conversado com Daniel Silveira e Bolsonaro sobre um plano para gravar o ministro, Delgatti ligou os pontos, e acredita que esta seria a gravação que ele teria de assumir.
Em outra conversa com Bolsonaro, Daniel Silveira foi mencionado, como exemplo de que nada aconteceria com o hacker. Segundo Delgatti, Bolsonaro disse que continuaria na presidência e, se o hacker fosse condenado, ele o indultaria, como fez com Daniel Silveira.
"O Bolsonaro queria uma ruptura democrática, isso ficou claro", declarou. Zambelli o instruiu a invadir as urnas do TSE, o que Delgatti não conseguiu, já que as máquinas não estão ligadas a uma rede. Mas ele conseguiu invadir o sistema de informática da Justiça, que inclui o TSE. De acordo com Delgatti, Zambelli disse que a missão era endossada por Bolsonaro.
Delgatti teve acesso ao sistema do CNJ e emitiu um mandado de prisão assinado por Alexandre de Moraes contra o próprio Alexandre de Moraes. Duas pessoas do suporte técnico do CNJ tinham credenciais para acessar o sistema. Os policiais federais perguntaram a Delgatti se ele havia obtido essas credenciais com um deles, que já era considerado suspeito. Delgatti disse que não. Em razão disso, o nome desse servidor será preservado, já que não há provas de seu envolvimento.
O texto do falso mandado de prisão de Alexandre de Moraes contra Alexandre de Moraes teria sido entregue pela própria Carla Zambelli a Delgatti. Fazendo-se passar pelo ministro do STF, o autor do falso mandado escreve, entre outros pontos, que é "como um deus do olimpo", e por isso não precisa se explicar. Defere a prisão e estabelece multa igual ao que o verdadeiro Alexandre de Moraes impôs ao PL.
O falso mandado foi descoberto em 5 de janeiro deste ano, três dias antes da invasão e depredação das sedes dos três poderes, em Brasília. Segundo Delgatti, Carla Zambelli ficou bastante satisfeita com a invasão, pois havia contribuído para a desmoralização do Poder Judiciário. Delgatti pode dar mais detalhes dessa operação. E ele quer. Depende agora de entendimentos para um acordo de delação.
O advogado Ariovaldo Moreira foi procurado, mas não falou sobre a vontade do cliente de delatar. Limitou-se a divulgar uma nota:
A defesa de Walter confirma sua prisão na data de hoje. A prisão foi determinada pelo Eminente Ministro Alexandre de Moraes. Até o momento a defesa não teve acesso a decisão que determinou a prisão. Nesse momento Walter está custodiado na PF de Araraquara.
Joaquim de Carvalho é jornalista
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