Logo O POVO+
Artigo - "A quimera da liberdade"
Foto de Eliomar de Lima
clique para exibir bio do colunista

O jornalista Eliomar de Lima escreve sobre política, economia e assuntos cotidianos na coluna e no Blog que levam seu nome. Responsável por flashes diários na rádio O POVO/CBN e na CBN Cariri.

Artigo - "A quimera da liberdade"

Com o título "A quimera da liberdade", eis artigo de Juliana Diniz, doutora em Direito e professora da UFC. Ela aborda o caso da liberdade de expressão, hoje mote do discurso do presidente Bolsonaro. Confira:
Tipo Opinião
Juliana Diniz, professora da UFC (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Juliana Diniz, professora da UFC

É possível afirmar que os sistemas democráticos contemporâneos estão estruturados em dois princípios básicos: o da igualdade dos cidadãos perante a lei e o da liberdade. Tratam-se de princípios herdados da cultura moldada pelo pensamento iluminista. Entender em que medida somos herdeiros dessa cultura nos ajuda a ler uma série de acontecimentos do presente e nos posicionar sobre o que observamos no noticiário. O dilema da possível ofensa à liberdade de expressão no inquérito das fake news é um exemplo perfeito disso.

Para entender esse dilema, precisamos, mais uma vez, refletir sobre o sentido jurídico e político da liberdade, e não é possível entender esse conceito sem referência a um outro, o de cidadania. O surgimento da ideia de cidadão como sujeito titular de direitos e devedor de obrigações é o grande fruto da revolução liberal, que fez nascer o que conhecemos como Estado de Direito. A liberdade que o Estado de Direito garante está ancorada na dupla faceta da cidadania política: o cidadão não é apenas o titular de direitos, ele responde por um amplo rol de obrigações, o que poderia ser sintetizado na máxima de que não há liberdade sem responsabilidade. A dimensão do dever costuma ser esquecida quando convém, sempre que se invoca a liberdade como a autorização para desrespeitar os limites legais.

O presidente da República Jair Bolsonaro utiliza com frequência o postulado da liberdade como argumento para justificar comportamentos antidemocráticos praticados por ele mesmo ou por seus aliados e apoiadores mais inflamados. Ele o fez mais uma vez nesta semana, ao desqualificar as ações que se desenrolaram no inquérito das fake news, um procedimento que se desenvolve no Supremo Tribunal Federal e busca investigar uma organização criminosa que tem por objetivo produzir e disseminar conteúdo difamatório contra as instituições da República e as autoridades constituídas.

Existe, afinal, uma liberdade para ofender, difamar, injuriar, desrespeitar? Produzir deliberadamente um conteúdo falso para promover a desinformação e manipular comportamentos de massa é uma atitude condizente com os sistemas democráticos? A resposta é forçosamente negativa se pensarmos na íntima relação existente, no nosso Estado de Direito, entre liberdade e cidadania. A liberdade fundamental de se manifestar na esfera pública, assim como a liberdade de crença e de expressão artística só podem ser bem exercidas e distribuídas se pudermos atribuir responsabilidades àqueles que se utilizarem de sua liberdade para violar o direito do outro. Do contrário, teríamos um regime odioso onde a liberdade de um pode determinar o uso irrestrito da violência para maltratar, violar e difamar terceiros.

O inquérito das fake news é uma ótima oportunidade para a sociedade brasileira refletir sobre o que significa a democracia, a importância dos limites republicanos, da existência das instituições e dos mecanismos de controle do poder. Ele suscita, afinal, o reconhecimento de que os sistemas democráticos, moldados pelo princípio da tolerância como regra, não podem tolerar a violação sistemática de direitos e a má-fé como mecanismos impulsionadores da política.

*Juliana Diniz,

Foto do Eliomar de Lima

Informação atual é como pão quente. Bom demais. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?