Por que a Ford comprou a cearense Troller, cuja fábrica agora será fechada
Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
A Troller é um veículo e uma marca idealizados e desenvolvidos no Ceará. Nasceu em 1995, em Horizonte. Um carro pensado pelo criador, Rogério Farias, natural de Nova Russas, para percorrer as praias cearenses. Em 2007, a Troller foi comprada pela Ford. Foi o grande negócio de uma pequena fábrica, que tinha vendido cerca de 900 veículos no ano anterior. Farias já não era sócio. A venda foi fechada pelo engenheiro Mário Araripe, que recebeu entre R$ 400 milhões e R$ 500 milhões, pegou o dinheiro, investiu em energia eólica e entrou no seleto clube de bilionários brasileiros. O que a Ford viu na Troller? Quem bem conta a história é Boris Feldman, colunista do O POVO. Com a compra, a empresa americana conseguiu transferir para a Ford os incentivos fiscais da Troller. Para produzir o 4x4 no Ceará, certo? Nada disso. A Ford encontrou uma brecha que permitia a ela usufruir dos incentivos em qualquer parte do Nordeste. Então, a compra rendeu vantagens fiscais no gigantesco complexo de Camaçari, na Bahia. A contrapartida exigida pelo Governo do Ceará — o negócio começou no governo Lúcio Alcântara (PSDB) e foi anunciado nos primeiros dias de governo Cid Gomes (PDT) — foi manter os cerca de 500 empregos. A Ford não comprou uma fábrica, comprou incentivos. Pagou com a manutenção de empregos no Ceará e levou os impostos que deixou de pagar no Nordeste.
Envolvida nessa peripécia fiscal, a Troller e sua fábrica em Horizonte deixarão de existir com a saída da Ford do Brasil. Como teria sido se a Ford não a tivesse adquirido? Impossível saber. Não dá nem para dizer que chegaria até os dias de hoje. Afinal, passou por problemas ao longo da operação e envolveu até a recompra de veículos vendidos com defeito, sendo necessários investimentos consideráveis em ampliação para resolver as falhas. Não sei se seria um consolo, mas a Troller teria seguido ou sucumbido por seus méritos e erros, e não por ser envolvida na exploração de brecha legal para pagar menos impostos.
Dependência de setor predatório
A economia brasileira depende muito da indústria automobilística e isso é ruim. O segmento movimenta muito dinheiro. O Brasil exporta bastante para a América Latina. Porém, o retorno é custoso. Para começar, é uma indústria muito concentrada. Até a década de 1990, era basicamente paulista. Ao custo de pesados incentivos, houve uma descentralização absolutamente pontual, para alguns poucos lugares. O que significa que há isenção de impostos do País todo, em troca de investimentos e empregos muito localizados. Outro problema é esse: essa indústria é sustentada a pesados incentivos fiscais. Em troca de quê? Empregos, cada vez em menor quantidade, em função da automação. E com a produção de veículos poluentes e com impacto predatório no espaço urbano.
Ah, mas então estou dizendo que é bom a Ford ir embora, que já vai tarde? Não, claro que não. A saída da Ford, pontualmente, é um baque econômico de grandes consequências, que vai custar emprego de muita gente, vai aprofundar o cenário recessivo.
O que estou dizendo é que o Brasil estruturou sua indústria em torno de um setor predatório, concentrador, poluente, que depende de incentivos dos governos e gera cada vez menos empregos. É ruim a saída de uma das gigantes, principalmente porque não foram construídas alternativas.
Guedes no País das maravilhas
A saída da Ford envolve dificuldades internas, que não são de hoje. Mas, impossível não considerar os problemas do País. A montadora cita especificamente o dólar. A moeda subiu no mundo todo, mas a desvalorização do Real superou todas as moedas importantes do planeta. Há menos de um ano, Paulo Guedes dizia que o dólar alto era bom. "Empregada doméstica estava indo para Disney, uma festa danada."
O ministério agora diz que a decisão da Ford "destoa da forte recuperação" na maioria dos setores. O ministério do doutor Guedes acredita que a empresa que inventou as linhas de produção modernas está saindo de uma economia em plena e pujante recuperação, como se tivesse chegado ao 118º ano de vida rasgando dinheiro.
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