Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
A burlesca visita de Jair Bolsonaro ao Ceará, na sexta-feira passada, destampou série de reações à postura do presidente da República diante da pandemia. Puxado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB), cresceu a pressão pela instalação da CPI da Covid no Senado. O objetivo principal é investigar a responsabilidade, ou falta dela, do presidente na pandemia. O requerimento, com 30 assinaturas, foi apresentado antes do Carnaval. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), não gosta da ideia. "Seria algo contraproducente, porque não teríamos condição de fazê-la funcionar."
Mas a ideia ganha corpo. Vários senadores aderiram à ideia de Tasso, claramente insuflado pela performance protagonizada pelo presidente da República no Ceará. O tucano reagiu com compreensível assombro diante das atitudes no Ceará do inquilino do terceiro andar do Palácio do Planalto. "É preciso parar esse cara", disse.
Tasso iniciou o movimento e agitou a bancada — são três senadores, não é coisa difícil. "Esse presidente da República inconsequente, irresponsável, despreparado, precisa ter um alerta para que não cometa mais tais absurdos e fique repetidas vezes negando um mal que o mundo inteiro teme e reconhece", disse ontem Cid Gomes (PDT).
Já o senador Luis Eduardo Girão (Podemos) iniciou ontem coleta de assinaturas para uma CPI da Covid que inclua estados e municípios. O objetivo dele é investigar irregularidades em gastos no combate à pandemia. Ele aponta indícios de desvios de recursos e, no Ceará, aponta o hospital de campanha do Estádio Presidente Vargas e a compra de respiradores como ocorrências de fraudes. "O atual requerimento de CPI, da forma como está, impede a investigação dessas irregularidades e estamos querendo mais amplitude nessa investigação", disse Girão.
Sem dúvida, há matéria-prima para uma CPI. Se o trabalho seria produtivo, eu não sei. Existe perigo real de virar uma arena política, com cada grupo usando para atingir seus adversários. Enquanto isso, Rodrigo Pacheco diz não querer ver o "circo pegar fogo" com uma CPI. Não sabe que preside o Senado sobre as cinzas do picadeiro nacional.
Críticos de Bolsonaro costumam ser carimbados como esquerdistas, comunistas. É uma pecha difícil de colar em Tasso. Ele é, no Ceará, talvez a personificação maior de inimigo para os adversários de Bolsonaro. Todavia, desde antes da eleição ele rejeitava o atual presidente e qualquer aceno de apoio a ele. Vale lembrar: em janeiro de 2018, Tasso queria que Capitão Wagner fosse candidato a governador pela oposição. E o Capitão queria concorrer. Mas Tasso impôs uma condição: o veto a apoio a Jair Bolsonaro. Wagner acabou candidato a deputado federal e atuando na coordenação da campanha de Bolsonaro.
Independentemente do juízo que se faça de Tasso, creio ser fora de questão o senso de altivez que ele tem em relação ao Estado. Haveria de ter ficado profundamente incomodado ao assistir à patuscada fúnebre do presidente na sexta-feira, ao ver o Ceará ser anarquizado por aquele espetáculo estrambótico, um escárnio, uma falta de respeito.
Tasso sempre foi zeloso com um senso de responsabilidade na administração pública. Isso converge com uma ideia de austeridade, que conduziu a corte de gastos e controle orçamentário que o tornou bastante rejeitado na esquerda e entre servidores públicos.
Austero, no sentido da seriedade, da sobriedade, é tudo que Bolsonaro não é. É espalhafatoso, excêntrico. Não é de admirar que o presidente ofenda o senso de compostura do senador.
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