Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
A não ser que venha aí uma decisão em contrário — o que é bem capaz — será instalada a CPI da Covid. Parece razoável um inquérito parlamentar para averiguar a postura governamental negligente durante a mais grave crise sanitária em um século. Aliás, negligente nos seus melhores momentos. Se há uma ação do Poder Executivo que já justificou inquérito parlamentar, estamos diante dela. Isso faz sentido, mas o resto todo é estranho.
A instalação de CPI por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) é o tipo de interferência entre poderes que tem se tornado rotineiro e é perigoso para a democracia.
Não é menos estranho que o presidente do Senado recebe um pedido de instauração de CPI que atende a todos os requisitos e simplesmente decida que não vai instalar.
Em resposta ao Supremo, a representação jurídica do Senado argumentou que a CPI pode ter efeito contrário ao que se busca e não contribui ao combate imediato à pandemia. Ora, o que a cúpula do poder pensa a respeito pouco importa.
As CPIs, desde sempre, são instrumentos das minorias. Não precisam de concordância da cúpula do poder quanto a seu mérito para funcionar. Um dos deveres do Poder Legislativo é fiscalizar o Poder Executivo. Obrigação. Não é se quiser. O papel não é bajular, justificar o indefensável. É monitorar e cobrar.
O Senado ainda argumentou que a CPI poderia causar "reações sociais inesperadas". Agora deu mesmo. O presidente do Senado não instala uma CPI que atendeu aos requisitos porque teme os efeitos que ela poderá ter a partir das conclusões a que chegue.
Não que eu ache que a CPI vai resolver o problema da pandemia. Não vai. Ou será uma profunda transformação. Dificilmente. Porém, o instrumental da atuação do parlamento tem várias ferramentas. A CPI é uma das mais poderosas e importantes. É atribuição do parlamento, é prerrogativa das oposições e não é porque o comando da mesa diretora é afinado com o presidente que ele pode sentar em cima do requerimento e sufocar a CPI.
Ouça o podcast Jogo Político:
Quantas vidas?
O Brasil ontem bateu novo recorde de mortes contabilizadas em 24 horas: 4.249.
Em março do ano passado, o empresário Junior Durski, dono da rede de restaurantes Madero, fez o que talvez tenha sido a mais sincera crítica a medidas de isolamento social para combater à pandemia: “Não podemos (parar) por conta de cinco (mil) ou sete mil pessoas que vão morrer. Isso é grave, mas as consequências que vamos ter economicamente no futuro vão ser muito maiores do que as pessoas que vão morrer agora com o coronavírus.”
Bom, maiores para quem? Para quem morreu certamente não. Nem para famílias destroçadas pela pandemia. Será que a consequência econômica será mais grave que para as pessoas que neste momento aguardam por leito, sem conseguir respirar direito?
Bem, o Brasil tem chegado perto, em um único dia, da contagem de mortes que Durski projetava para a pandemia toda.
Não importam os números, muita gente segue com a mesma opinião. O presidente Jair Bolsonaro, independentemente da mortandade, reforça que não haverá lockdown nacional. Ontem, sugeriu meio termo entre lockdown e reabertura para proteger os empregos. Para proteger as pessoas da doença que mata aos milhares, ele tem alguma ideia? (Lembrei: a cloroquina). E tanto ele quanto apoiadores seguidamente boicotam quem busca adotar restrições contra a Covid-19.
O empresário achava que não valia parar a economia por causa de cinco mil mortes. Será que acha que vale por quatro mil mortes em um dia?
Minha impressão é de há gente não disposta a ganhar menos dinheiro, não importa quantas vidas isso custe.
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