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Não existe lockdown, nem nada perto de disso
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Não existe lockdown, nem nada perto de disso

Restrições são mais extremas e duram mais tempo na busca por se obter resultados que seriam possíveis com muito menos, se as medidas fossem respeitadas. De quem é a culpa? De muita gente
Tipo Opinião
Movimentação na Parangaba, em 9 de abril (Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Movimentação na Parangaba, em 9 de abril

O governador Camilo Santana (PT) anuncia hoje se terá fim o lockdown no Ceará. Mas, espere um pouco. Qual lockdown? Não existe lockdown. O repórter Gabriel Borges ontem deu um giro por Fortaleza. Passou por Messejana, Parangaba, Centro, pela Beira Mar. Encontrou gente nas ruas, muitos comércios abertos. Movimentação que não, não é a mesma de dia normal. Mas, não é nem perto do que seria um lockdown. O repórter Luciano Cesário fez o périplo por Juazeiro do Norte e Crato. Adivinha? Lojas com portas semiabertas, dificuldade de encontrar lugar para estacionar.

De quem é a responsabilidade por não haver lockdown? São diversos atores. Já escrevi que uma quarentena não é definida por um decreto de governo. Lockdown quem faz é a sociedade. Também é ela quem deixa de fazer. Estamos deixando de fazer.

A culpa é das pessoas? Não apenas. Há muitas culpas governamentais. As pessoas têm necessidades, sim. O poder público tem sido insuficiente e atrasado na garantia de uma rede de proteção que permita às pessoas ficar em casa sem sofrer privações extremas. Isso nos vários níveis. Começou nessa semana a ser pago o novo auxílio federal. A maioria das pessoas levará quatro meses para receber o que ganhava em um mês no ano passado. Há efeitos práticos e mensuráveis da falta de auxílio. Em 2020, o Ceará chegou a atingir 62,2% de isolamento, segundo monitoramento das pessoas na rua feito pela empresa de tecnologia In Loco. Este ano, o máximo que se conseguiu foi 50%, num único dia. Nos outros foi menos.

O Estado tem criado auxílios. Em Fortaleza, a Prefeitura também tem feito. Acho que poderia fazer mais. Inclusive ao custo de aumentar o endividamento e fazer sacrifícios. As pessoas estão se endividando, os governos que querem, e precisam, mantê-las em casa que também o façam.

Por outro lado, também é fato que as lojas semiabertas, os ambulantes nas ruas vendem muito menos. Furar o lockdown não significa deixar de ter privações. O movimento não é o mesmo. Não seria mesmo sem lockdown. A crise é fruto da pandemia.

Além disso, também narrei aqui que, na terça-feira passada, no Montese, havia gente colocando as cadeiras na calçada para encontrar vizinhos, colocar a conversa em dia e cuidar da vida alheia. Não é apenas quem precisa garantir o próprio sustento que boicota o lockdown.

O poder público tem outras responsabilidades por esse isolamento incompleto. Fiscalizar todo mundo, em todas as ruas, não dá. Mas, a feira de Messejana é realizada. Não estão sabendo? Messejana é o bairro com mais casos e mais mortes. Na rua São Pedro, o maior polo de comércio popular do Interior, em Juazeiro, os governos não sabem que o lockdown está sendo burlado?

Falta também coesão. Diferentemente de todas as epidemias nos últimos 50 anos, não há um discurso alinhado da parte dos governos. Ora, se onde há argumentação coerente e afinada do poder público, mundo afora, ainda assim há esforço para fazer cumprir lockdown, avalie num local em que o colapso sanitário vira disputa política. Em que detentores de mandato pregam abertamente contra as medidas de saúde.

O lockdown não existe e, com as condições dadas, seria surpreendente se existisse. Gente morre por isso, gente fica sem leito por isso e as atividades ficam fechadas por mais tempo por isso.

De que serve um lockdown de faz de conta?

Ah, então não deveria haver lockdown? Se não obedecem, abre tudo mesmo? Teríamos assim muito mais mortes, rede de saúde mais saturada. Mais gente ainda precisando de leito e não tendo. Você acha que vale à pena reabrir para sua mãe, seu filho, sua esposa precisarem de atendimento e não terem quem os socorra? Tem muita gente nessa situação e poderão ser mais.

Minha impressão é que se está fazendo lockdown no Ceará para tentar obter os efeitos que se teria caso medidas de isolamento bem menos severas fossem respeitadas. Como não se respeitam as poucas restrições, vai-se ao extremo em busca do mínimo. Quem sofre? Além da saúde da população, paga a loja, o restaurante que respeitam as determinações. E que sofrem com restrições mais severas que o necessário porque tem gente que não respeita o mínimo, não respeita nem com lockdown. Entendo que quem obedece às determinações se sinta um trouxa. Eu me sentiria, se não soubesse que é pela minha própria saúde e da minha família.

Ouça o podcast Jogo Político:

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