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Bolsonaro faz ameaça direta à democracia
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Bolsonaro faz ameaça direta à democracia

Presidente diz que pode não haver eleição ano que vem. Por quê? Ele não aceita que o próximo presidente seja escolhido da maneira que ele foi. Não é uma beleza? Para ele valeu, para outros não vale. O que vai acontecer se não houver eleição Bolsonaro não explica. Ele fica no cargo? Ou o cargo fica vazio? Se for assim, quem sabe é um avanço
Tipo Opinião
Ex-presidente Jair Bolsonaro (Foto: Agência Brasil)
Foto: Agência Brasil Ex-presidente Jair Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro fez uma ameaça direta à democracia. Mais uma, talvez a mais explícita. "Se o Parlamento brasileiro, por maioria qualificada, em três quintos na Câmara e no Senado, aprovar e promulgar, vai ter voto impresso em 2022 e ponto final. Não vou nem falar mais nada. Vai ter voto impresso, porque se não tiver voto impresso, sinal de que não vai ter a eleição. Acho que o recado está dado."

Espera. Como assim não vai ter eleição? Quem decide isso é ele? O presidente? O Poder Legislativo, como ele falou, tem a prerrogativa de decidir. O Poder Judiciário organiza a eleição. Bolsonaro no máximo é candidato. (Ele disse até que não seria, caso houvesse uma reforma política, algo pelo qual ele não fez um movimento. Mas isso é outro assunto.) Se não tiver eleição vai acontecer o quê? Ele fica no cargo? Até quando? Até tem eleição em cédula? Ou o cargo de presidente vai ficar vago? Se for assim, quem sabe não é até um avanço?

O ponto é que Bolsonaro não tem poder de decidir sobre isso. Como presidente, ele tem muitos poderes. Mas, para ele e seus apoiadores, não são o bastante. Os freios e contrapesos institucionais, cuja função democrática é justamente de limitar poderes, são um estorvo para Bolsonaro. Ele não os aceita e tem sede por mais poder. Isso é um perigo.

Ele falou ainda sobre o modelo de voto: "Ninguém aceita mais este voto que está aí, como vai falar que é preciso, é legal, é justo e não é fraudado? Única republiqueta do mundo, acho que talvez a única, é a nossa que aceita essa porcaria desse voto eletrônico, isso tem que ser mudado."

O que é mais intrigante é que Bolsonaro não aceita que o sucessor venha a ser eleito numa eleição igual à dele. E a de todos os filhos dele, ao longo de décadas. O critério que o elegeu agora não é bom, agora não vale mais. Aliás, ele disse que a eleição dele foi fraudada, ia apresentar provas, passou depois meses sem falar no assunto. E quando apresentou algo era apenas a evolução da apuração conforme as urnas eram contabilizadas. Um questionamento patético e ofensivo às instituições, sem o menor cabimento. Se alguém deveria se insurgir contra o modelo que elegeu Bolsonaro seriam os derrotados, os que não querem ele no poder.

Bolsonaro posa de defensor da democracia e do voto, mas o que ele sugere tem nome e se chama golpe.

Referência

Bolsonaro já chegou a usar a bagunça na eleição dos Estados Unidos como argumento a favor do voto impresso. Aquela bagunça ocorreu porque lá não tem voto impresso? Não, tem sim. Aliás, os pedidos de recontagem serviram para Donald Trump tentar tumultuar a eleição. Bolsonaro sempre se inspirou em Trump. Parece seguir na mesma toada: na possível hipótese de ser derrotado, vai querer sair deixando uma enorme confusão para trás. Isso já tem feito no País e quer garantir nas urnas. O perigo é maior porque a democracia brasileira não é nem tão sólida nem tão madura como, com todos os defeitos, a dos Estados Unidos.

Apologia da morte

A CPI da Covid lança enorme pressão sobre o presidente Jair Bolsonaro, que reage do jeito que sabe: atacando. O presidente dá nítidos sinais de nervosismo. Aliados reclamam quando ele é responsabilizado por mortes das vítimas de Covid-19. Pois deixa eu lembrar um negócio aqui que ele disse: "Essa é uma realidade, o vírus tá aí. Vamos ter que enfrentá-lo, mas enfrentar como homem, porra, não como um moleque. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Todos nós iremos morrer um dia", disse em 29 de março de 2020.

Em 10 de novembro do ano passado, ele falou: "Todos nós vamos morrer um dia, aqui todo mundo vai morrer. Não adianta fugir disso, fugir da realidade. Tem que deixar de ser um país de maricas. Olha que prato cheio para imprensa. Prato cheio para a urubuzada que está ali atrás. Temos que enfrentar de peito aberto, lutar."

O recado foi claro: enfrentem a pandemia de peito aberto. Exponham-se. Tenham coragem de correr o risco. E, se morrer, faz parte.

Trata-se de estimular as pessoas a correrem o risco. E não se pode dizer que atingiu apenas quem seguiu a recomendação. Quem se expõe faz o vírus circular. Coloca em, risco a si e aos outros. A "coragem" de que Bolsonaro fala inclui a de colocar outros em perigo. Tremenda covardia, digo eu.

O que o presidente fez foi apologia do vírus e da morte. Não adianta agora não querer arcar com o ônus quando as mortes ocorrem. Foi ele quem disse que isso não é nada demais. Em 27 de março de 2020, ele disse: "Algumas mortes terão, mas acontece, paciência." Bolsonaro fez apologia da irresponsabilidade ao estimular a exposição das pessoas. E fez pouco da morte, dizendo que não era algo inevitável — e é, mas não precisa ser nem agora nem por isso, né. Depois se incomoda de ser responsabilizado pelas mortes.

Em transmissão ao vivo, Bolsonaro disse: "Frase não mata ninguém. O que mata é desvio de recurso público que o seu estado desviou." Ocorre que comportamentos matam, e Bolsonaro estimulou comportamentos com suas frases.

Frase pode matar e tem até tipificação em alguns casos, como no artigo 122 do Código Penal: incitação ao suicídio. Bolsonaro não incitou ao suicídio, mas induziu as pessoas a se exporem a riscos, enfrentarem a perspectiva de morrer.

Bolsonaro sabe que estimulou as pessoas a não se protegerem. Mas não tem a menor noção da consequência dos seus atos. Há uma legião de fanáticos dispostos a segui-lo independentemente da bobagem que diga ou faça. Ele não tem noção do peso de quem diz e agora quer dizer que, independentemente do que fale, isso não tem relevância.

Quando era deputado federal, em 2013, Bolsonaro resumiu a responsabilidade com que exerce a função pública: "Eu posso falar a besteira que eu quiser. Por isso que eu tenho imunidade."

No Poder Executivo, não há imunidade parlamentar. As besteiras ditas por um presidente da República, por menor que seja o presidente, têm muito mais pesos que as de um deputado medíocre. Bolsonaro tem de ter responsabilidade pelo que diz e faz. E responder pelo que diz e faz de errado.

Fundo de rede

Ninguém é de ferro e vou dar uns dias de descanso ao leitor. Saio de férias, mas volto no fim do mês, se tudo der certo.

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