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Covardes hostilizarem padres não é novidade, eles só perderam a vergonha
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Covardes hostilizarem padres não é novidade, eles só perderam a vergonha

Antecessores dos que hostilizam padre Lino envenenaram cachorros de dom Aloísio Lorscheider e jogaram bomba no jardim do cardeal
Tipo Opinião
Paróquia da Paz, no bairro Aldeota, com vigilância devido a ameaças e hostilidade por causa de sermão do padre Lino Allegri (Foto: Fernanda Barros)
Foto: Fernanda Barros Paróquia da Paz, no bairro Aldeota, com vigilância devido a ameaças e hostilidade por causa de sermão do padre Lino Allegri

Em setembro de 1970, no governo Emílio Garrastazu Médici, padres considerados subversivos foram presos pela repressão. Em outubro daquele ano, agentes do Centro de Operações de Defesa Interna (Codi) invadiram o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento (Ibrades), órgão vinculado à Igreja, e levaram dom Aloísio Lorscheider em investigação por supostas atividades subversivas da Juventude Operária Católica (JOC). A detenção durou três horas e meia.

Dom Aloísio Lorscheider foi o mais importante bispo da história de Fortaleza. No conclave de 1978, recebeu votos para ser papa. Inclusive, do cardeal italiano Albino Luciani, que acabaria se tornando o pontífice João Paulo I. Franciscano, dom Aloísio defendia reforma agrária, direitos dos povos indígenas, dos presos políticos, era a favor de greves, das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), da Teologia da Libertação e do exercício de funções litúrgicas e trabalho de evangelização por padres casados, mesmo afastados do sacerdócio. Quando havia repressão a protestos no Centro de Fortaleza, era recorrente que os manifestantes corressem para a catedral ou à residência episcopal, onde eram acolhidos.

Foi presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) de 1971 a 1979, do auge à decadência da ditadura. Em 1984, ele viajou ao lado do cardeal dom Paulo Evaristo Arns ao Vaticano para testemunhar a favor do então frei Leonardo Boff, também franciscano, interrogado e alvo de censura pela Sagrada Congregação de Defesa da Doutrina da Fé, o antigo Santo Ofício, que mais para trás era o Tribunal da Santa Inquisição. Boff acabou condenado ao silêncio obsequioso — proibição de pregar ou doutrinar. A Congregação tinha então à frente o cardeal Joseph Ratzinger, futuro papa Bento XVI.

Em março de 1994, dom Aloísio passou mais de 18 horas como refém no Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS). Uma rebelião estourou enquanto ele falava contra as condições a que os presos eram submetidos. Ao ser libertado, disse que seguiria a defender o direito dos detentos e um tratamento humanitários e justo. 

Dom Aloísio era amado pelo povo, o que não significa que as posições não sofressem resistências. Inclusive ameaças de morte. Recebia ligações anônimas de vozes que, do outro lado da linha, faziam "advertências". Em meados da década de 1980, jogaram veneno e mataram um a um os cachorros pastores alemães que ele criava no quintal. Homens armados chegaram a tentar invadir a residência episcopal, por trás do Seminário da Prainha. Eles ameaçaram atirar contra freiras que administravam a casa e contra o vigilante, mas foram contidos.

Na madrugada de 21 de fevereiro de 1987, bomba de fabricação caseira foi lançada no terraço da residência. O cardeal atribuiu o episódio a "pessoas que estão descontentes com a atuação da Igreja nas reformas agrária e urbana e que pretendem criar um clima de medo e intimidação. Pessoas que não aceitam o intercâmbio de ideias e não aceitam as manifestações próprias de uma sociedade democrática, como a participação do povo na vida política."

Na edição de 21 de fevereiro de 1987, O POVO registrou o atentado daquela madrugada
Na edição de 21 de fevereiro de 1987, O POVO registrou o atentado daquela madrugada (Foto: O POVO.DOC)

A hostilidade ao padre Lino Allegri na Igreja da Paz é a nova feição de um fenômeno antigo. Esse tipo de covardia sempre existiu. A diferença é que ele antes era anônimo, não mostrava o rosto. Agora, nem se escondem mais. A truculência, a intolerância e o desrespeito perderam a vergonha. Estufam até o peito de orgulhosos.

Aliás, que falta dom Aloísio faz. Mais ainda em momentos como este.

Dom Aloísio no O POVO de 22 de fevereiro de 1987: sem espanto com explosão, que pensou até ser um trovão
Dom Aloísio no O POVO de 22 de fevereiro de 1987: sem espanto com explosão, que pensou até ser um trovão (Foto: O POVO.DOC)

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