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Do Beco da Poeira à José Avelino, a 4ª década de um problema sem solução
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Do Beco da Poeira à José Avelino, a 4ª década de um problema sem solução

Feira da José Avelino é desdobramento de crise urbana que começou na Praça José de Alencar, levou à criação do Beco da Poeira e tem servido para espalhar o comércio ambulante pelo Centro. Problema não será resolvido pela força
Tipo Opinião
Feira da José Avelino é problema urbano que foi sendo espalhado por decisões desastradas do poder público (Foto: Fabio Lima)
Foto: Fabio Lima Feira da José Avelino é problema urbano que foi sendo espalhado por decisões desastradas do poder público

Ir para a rua. Quem tem mais de 35 anos deve lembrar que era essa a forma de se referir ao Centro. E ela, a rua, sempre foi espaço de comércio em Fortaleza. Conflitos datam de mais de 30 anos, com abusos e feridos. Não me recordo de se ter chegado ao extremo de haver morte, como agora.

Para ir à rua, eu pegava o ônibus Prado ou o Vila Sarita, que paravam quase na porta da casa 1250 da rua Júlio César. Descia com mãe na praça José de Alencar. Logo entrávamos na Mesbla, para aproveitar o ar-condicionado até a Senador Pompeu. E para escapar do furdunço do lado de lá na General Sampaio.

Na década de 1980, a Praça José de Alencar era o principal espaço público de Fortaleza, onde ocorriam as maiores manifestações políticas, numa época em que a Praça do Ferreira mantinha a arquitetura dura e feia adquirida na ditadura militar. A José de Alencar também tinha seus problemas.

Era um terminal de ônibus a céu aberto. Mais de 50 linhas circulavam por lá. O movimento fez com que ali se formasse a primeira grande concentração do comércio ambulante de Fortaleza. O crescimento da indústria têxtil abastecia o comércio informal. Além de roupa, vendia-se carne do Frifort, trazida inteira e cortada para ser vendida em plena praça. Barraquinhas eram armadas ao lado das paradas de ônibus. Pessoas começaram a morar ali. Visualize a cena: dezenas de linhas de ônibus, uma multidão a circular, roupa sendo vendida, carne sendo cortada, pessoas morando. A mãe fazia bem em me levar para o outro lado.

Após conflito em uma tentativa de remoção, em 1987, a então prefeita Maria Luiza Fontenele remodelou o local. Ônibus foram transferidos para a Praça da Estação. Quem estava ali instalado foi para moradia em outro lugar. Para receber os ambulantes, começou a construção do Centro de Pequenos Negócios, o CPN. Como o vento trazia o pó da reforma da praça, o nome que pegou foi Beco da Poeira. Enquanto era construído, os ambulantes foram para a Praça da Lagoinha.

Sujo, escuro e mal ventilado, o Beco da Poeira recebeu comerciantes. Não deu para quem quis. As tentativas de disciplinar os ambulantes têm servido para multiplicá-los. O Beco da Poeira foi ocupado, mas alguns ficaram na Praça da Lagoinha. A José de Alencar foi reocupada. O que era um lugar virou três.

Em 2001, a administração Juraci Magalhães decidiu transferir o Beco da Poeira para espaço no quadrilátero formado por Tristão Gonçalves, 24 de Maio, São Paulo e Guilherme Rocha. O prédio original daria lugar à estação do Metrofor. Porém, a desapropriação de alguns dos imóveis necessários para abrigar o novo equipamento emperrou. O local acabou recebendo nome de Esqueleto. Na gestão Luizianne Lins (PT), outro lugar foi definido para o Novo Beco da Poeira. A antiga Thomaz Pompeu Têxtil, na Avenida Imperador, foi adquirida em parceria com o governo Cid Gomes (PDT). O Novo Beco da Poeira foi inaugurado em 2010. E o Esqueleto? Também foi ocupado por ambulantes. Hoje é o Esqueleto da Moda.

E a José Avelino?

Pelo menos desde a década de 1990 havia ambulantes na Praça da Sé, em frente à catedral. Com o impasse sobre o destino do Beco da Poeira, ela cresceu. Na metade dos anos 2000, a ocupação já era predatória. Em 2008, a gestão Luizianne firmou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para transferir os feirantes para a rua José Avelino. Pensava-se como solução. Alguns foram para Maracanaú.

O problema persistiu e cresceu. Os conflitos se repetem, agora com custo de vida. Em 2017, a gestão Roberto Cláudio (PDT) tentou acabar com a ocupação da José Avelino. Feirantes foram para o Centro Fashion, no Jacarecanga. O lugar é um sucesso. Outros foram para Caucaia. Mas, a feira da José Avelino não acabou.

Toda vez que se fala de transferir ambulantes, fico preocupado. Antes, eles se concentravam na José de Alencar. As várias tentativas de transferência os espalharam pelo Beco da Poeira, Esqueleto, Praça da Lagoinha, José Avelino, Maracanaú, Caucaia. E a José de Alencar segue tomada.

Há ali um grave problema de ordenamento urbano. Pela força já se tentou seguidamente e o problema só piorou. Nas tentativas de desocupar espaços foram criados novos polos e os antigos foram reocupados. O prefeito José Sarto (PDT) formou comitê para negociar. Parece-me bom sinal, pois a saída terá de ser negociada. Ao olhar a história, parece-me claro que não é uma boa ideia transferir ambulantes para outro lugar, pois se acaba com dois problemas no lugar de um. Parece-me que o caminho é ordenar, limitar e controlar o que já existe.

Foto do Érico Firmo

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