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Autonomia médica, Bolsonaro na ONU e a suspeita de um escândalo
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Autonomia médica, Bolsonaro na ONU e a suspeita de um escândalo

Caso Prevent Senior coloca em questão justamente o que defensores do chamado "tratamento precoce" mais alardeiam: autonomia médica. Profissionais dizem que eram obrigados a prescrever cloroquina e afins
Tipo Opinião
 Diretor da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, na CPI da Covid (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado  Diretor da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, na CPI da Covid

"Desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce", disse o presidente Jair Bolsonaro na terça-feira, ao abrir a Assembleia Geral das Nações Unidas. Autonomia do médico é o princípio mais reivindicado pelos defensores do chamado tratamento precoce contra Covid-19.

Nas investigações relacionadas à operadora de planos de saúde Prevent Senior, médicos informam que eram obrigados a prescrever a pacientes medicamentos como hidroxicloroquina e azitromicina, cuja ineficácia contra Covid-19 tem sido demonstrada em todos os estudos relevantes feitos internacionalmente. Segundo o Sindicato dos Médicos de São Paulo, profissionais teriam sido constrangidos a assinar documento informando que receitaram o chamado "kit Covid" por espontânea vontade.

Além disso, familiares de pacientes que participaram de estudo clínico da operadora sobre a eficácia da cloroquina relatam que não sabiam que os parentes estavam submetidos ao experimento. Mais que isso, há casos como o de Rogério Ventura, divulgado pela TV Globo. A família afirma que a medicação começou a ser administrada sem conhecimento dela, e só ficou sabendo após o óbito, ao ter acesso ao prontuário.

Com mais um agravante: hidroxicloroquina é contraindicada para quem tem problema cardíaco. Rogério Ventura recebeu apesar de ter hipertensão e arritmia cardíaca. O paciente nunca teria sido testado para Covid-19. Segundo a Prevent Senior, Rogério morreu das complicações de um enfisema pulmonar preexistente. A operadora disse que o paciente sabia da prescrição de hidroxicloroquina. Como ele morreu, não tem como desmentir.

Entre a pressão e a ameaça

Ontem, na CPI da Covid, foi divulgado áudio do diretor-executivo da operadora, Pedro Benedito Batista Júnior, pressionando — digamos assim — um médico para que não divulgasse dados sobre a Prevent Senior. O médico recebeu as afirmações como ameaça. "Olha o que você fez com a sua família", disse o diretor, ao que foi questionado: "Por acaso você está me ameaçando?" Pedro Batista prosseguiu: "Você se expôs de uma maneira que não tem volta, colocou a sua vida, o que você construiu em xeque em rede nacional." A operadora alega que se tratou de "alerta".

Número de óbitos

Há ainda acusação de manipulação do número de mortes, para omitir óbitos por Covid-19. Dados dos prontuários de pacientes foram alterados. Ao depor ontem na CPI, o diretor-executivo Pedro Benedito Batista Junior disse que a mudança não interferia nas notificações oficiais. Tratava-se apenas, segundo ele, de indicação para retirar o paciente da situação de isolamento, decorrido o prazo necessário. A forma como a determinação foi encaminhada aos médicos em mensagem, contudo, é intrigante. Dizia que o código "deve ser modificado para qualquer outro exceto o B34.2 (código da Covid-19)." Qualquer outro?

Além da operadora

As acusações são graves: prescrição sem conhecimento de familiares, aplicação de medicamento a quem não poderia recebê-los, pressão sobre médicos para receitar os produtos e para dizer que agiam por espontânea vontade, ameaça para tentar evitar divulgação de denúncia e manipulação de informações dos prontuários. Tudo precisa, claro, ser elucidado. Precisa ser provado, ou desmentido.

O caso Prevent Senior foi além do plano de saúde. No começo do ano passado, os dados do estudo agora questionado foram usados pelo presidente Bolsonaro para apontar supostos bons resultados do “tratamento precoce”. O diretor negou ter fornecido os dados a Bolsonaro e disse que o presidente obteve por outros meios. Seja como for, deles ele valeu-se. Além de tudo, houve uso político de algo que experimentos científicos sérios têm sistematicamente negado.

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