Logo O POVO+
Ceará vai zerar analfabetismo nos presídios, anuncia secretário
Foto de Érico Firmo
clique para exibir bio do colunista

Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Ceará vai zerar analfabetismo nos presídios, anuncia secretário

Mauro Albuquerque recebe título de cidadão cearense e é alvo de protestos dentro do próprio partido do governador
Tipo Notícia
ALBUQUERQUE estava bastante emocionado em sessão solene na AL-CE (Foto: Marcos Moura/Assembleia Legislativa)
Foto: Marcos Moura/Assembleia Legislativa ALBUQUERQUE estava bastante emocionado em sessão solene na AL-CE

No começo de janeiro, o Ceará deverá zerar o analfabetismo entre os detentos do sistema penitenciário do Estado. O feito é inédito, segundo informou o secretário da Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque. De acordo com ele, praticamente todos os presos no Estado atualmente estão estudando.

Na noite da última terça-feira, 7, num plenário repleto de policiais penais, o secretário Mauro Albuquerque recebeu o título de cidadão cearense concedido pela Assembleia Legislativa. Natural do Distrito Federal, ele é, desde o início de 2019, o responsável pela gestão do sistema penitenciário. Não costuma ser uma área que costume render dividendos políticos aos ocupantes. Pelo contrário, os presídios normalmente chamam atenção como problema, nas crises. A primeira vez em que Mauro atuou no Ceará, foi em 2016, quando 14 presos morreram em rebeliões. Ele comandou a força federal de intervenção no sistema prisional do Estado. E um problema não propriamente nas penitenciárias, mas decorrente delas, estourou assim que Mauro Albuquerque chegou ao cargo, em 2019.

Policiais penais na solenidade em que Mauro Albuquerque recebeu título de cidadão cearense(Foto: Marcos Moura/Assembleia Legislativa)
Foto: Marcos Moura/Assembleia Legislativa Policiais penais na solenidade em que Mauro Albuquerque recebeu título de cidadão cearense

Ao ser anunciado para comandar a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), ele afirmou que não reconheceria facções criminosas e afirmou que a divisão de presos não obedeceria mais à lógica dos vínculos com organizações criminosas, como ocorria até então. Entre a noite de 2 de janeiro e a madrugada de 3 de janeiro, as fações iniciaram a maior onda de ataques da história do Ceará, em grande parte como reação às medidas que o novo secretário sinalizava. Era uma resposta na rua ao que se pretendia fazer dentro dos presídios.

Independentemente das reações, Mauro reestruturou o sistema prisional, mudou a distribuição de presos, o controle ao qual eram submetidos, as visitas. Transferiu aqueles em posição de comando. Na conversa com O POVO, após receber o título de cidadão cearense, Mauro repetiu a máxima de não reconhecer facções.

As mudanças não ocorreram sem questionamentos. Famílias de presos protestam contra mudanças implantadas. Organizações de direitos humanos denunciaram haver uso excessivo da força e até tortura — Mauro cobrou apresentação de provas e disse que as acusações são mentiras contra os policiais penais. O secretário afirma aplicar a lei, e apenas manter o controle do Estado sobre o sistema.

Houve também queixas de transferências de presos após o fechamento de cadeias no Interior — que a secretaria apontava não terem condições de manter os presos com segurança.

O título de cidadão para Mauro causou controvérsia no próprio partido do governador. a Juventude do PT se manifestou contra a homenagem e protestou contra o fato de os parlamentares petistas terem votado a favor. O protesto recebeu apoio do Núcleo Américo Barreira, organizado dentro do PT Ceará, que divulgou nota nesta sexta-feira com o título: "Torturador merece repúdio, não título". Ao mesmo tempo a sessão que entregou o título foi presidida pelo deputado estadual Acrísio Sena (PT). As manifestações de protesto ocorreram após a entrevista, razão pela qual a pergunta sobre o assunto não foi feita ao secretário.

Mauro, por outro lado, aponta a queda nas mortes ocorridas dentro dos presídios. De 2013 a 2018, foram mais de 200. Desde 2019, segundo a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), foram 5.

Na conversa com O POVO, o secretário enfatiza que o que ocorreu foi que o Estado assumiu o controle dos presídios. E reforçou um discurso de defesa da educação e da qualificação profissional como forma de reinserção dos presos na sociedade.

O POVO - O Ceará vai zerar o analfabetismo no sistema prisional?

Mauro Albuquerque - Este ano ainda. No começo de janeiro de 2022 a gente zera o analfabetismo dentro do sistema prisional. Hoje, praticamente todos os presos analfabetos estão estudando. Nossa capacidade é recorde. Em três meses e meio, a gente consegue fazer a pessoa ler e escrever.

OP - O senhor falou do discurso sobre quem hoje está preso, mas depois retornará ao convívio em sociedade. Qual o impacto se percebe ao propiciar esse início de educação?

Mauro - Significa que muitas vezes a pessoa vem pro sistema prisional porque não teve educação, porque não teve uma capacitação, porque não tinha emprego. Enveredou para o crime. O que nós estamos fazendo é justamente dando a possibilidade de condições de educação. Capacitação, uma profissão com padrão Senai, para que ele não retorne mais para o crime. Saia com mais condições reais de não retornar para o crime.

OP - O senhor lembrou quando chegou aqui, na intervenção federal em 2016. O que mudou de lá para cá?

Mauro - Teve que mudar tudo, né? Teve que mudar tudo. Toda uma concepção de trabalho foi montada em cima. Foram criados procedimentos e rotinas carcerárias para poder dar mais segurança para o pessoal que trabalha lá, os policiais e os próprios presos. Para você ter ideia, um dado: de 2013 a 2018, morreram 208 presos. Em 2019, morreram dois. Em 2020, nenhum. Em 2021, estamos investigando um (Os números da SSPDS, no fim dessa matéria, apontam 211 presos mortos de 2013 a 2018. Em 2019, são 3, em 2020, 1, e mais 1 em 2021). Então, isso é a importância. Quando o Estado assume, você oferece mais segurança. Como vários presos falaram para mim: "Hoje eu estou seguro. Hoje eu estou livre dentro do sistema." Depois que foi assumido o controle pelo Estado.

OP - O que significa o Estado ter assumido o controle?

Mauro - O problema era que o Estado não tinha uma dinâmica de trabalho e de controle. Ou seja, os policiais não tinham armas pra poder fazer o treinamento, fazer segurança, escolta, não tinha viaturas. O governador equipou o pessoal e investiu pesado no sistema prisional e a gente fez a gestão.

OP - Quando o governador tomou posse, no primeiro mês, o senhor não estava aqui ainda, ele dizia o seguinte: "A gente tem os chefes do tráfico todos presos no Ceará, mas eles estão comandando o tráfico de dentro do presídio." Isso ainda acontece?

Mauro - De jeito nenhum, nem celular eles têm. Nem celular eles têm. Hoje eles estão isolados. Antes era bônus fazer parte do crime organizado e ser liderança. Hoje é só ônus. A gente segue a lei, todo o rigor da lei.

OP - O que o senhor viu das facções no Ceará é diferente da dinâmica de outros estados?

Mauro - Como eu sempre disse, no primeiro dia em que eu assumi: eu não reconheço facção. Não é que ela não exista. Eu não reconheço facção. Quem manda é o Estado. Não tem poder de crime que resista à força do Estado.

Mortes em presídios no Ceará

2013: 13

2014: 36

2015: 25

2016: 50

2017: 38

2018: 49

2019: 3

2020: 1

2021: 1*

Até novembro

Fonte: Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS)

Foto do Érico Firmo

É análise política que você procura? Veio ao lugar certo. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?