Ceará vai zerar analfabetismo nos presídios, anuncia secretário
Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
No começo de janeiro, o Ceará deverá zerar o analfabetismo entre os detentos do sistema penitenciário do Estado. O feito é inédito, segundo informou o secretário da Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque. De acordo com ele, praticamente todos os presos no Estado atualmente estão estudando.
Na noite da última terça-feira, 7, num plenário repleto de policiais penais, o secretário Mauro Albuquerque recebeu o título de cidadão cearense concedido pela Assembleia Legislativa. Natural do Distrito Federal, ele é, desde o início de 2019, o responsável pela gestão do sistema penitenciário. Não costuma ser uma área que costume render dividendos políticos aos ocupantes. Pelo contrário, os presídios normalmente chamam atenção como problema, nas crises. A primeira vez em que Mauro atuou no Ceará, foi em 2016, quando 14 presos morreram em rebeliões. Ele comandou a força federal de intervenção no sistema prisional do Estado. E um problema não propriamente nas penitenciárias, mas decorrente delas, estourou assim que Mauro Albuquerque chegou ao cargo, em 2019.
Independentemente das reações, Mauro reestruturou o sistema prisional, mudou a distribuição de presos, o controle ao qual eram submetidos, as visitas. Transferiu aqueles em posição de comando. Na conversa com O POVO, após receber o título de cidadão cearense, Mauro repetiu a máxima de não reconhecer facções.
As mudanças não ocorreram sem questionamentos. Famílias de presos protestam contra mudanças implantadas. Organizações de direitos humanos denunciaram haver uso excessivo da força e até tortura — Mauro cobrou apresentação de provas e disse que as acusações são mentiras contra os policiais penais. O secretário afirma aplicar a lei, e apenas manter o controle do Estado sobre o sistema.
Houve também queixas de transferências de presos após o fechamento de cadeias no Interior — que a secretaria apontava não terem condições de manter os presos com segurança.
O título de cidadão para Mauro causou controvérsia no próprio partido do governador. a Juventude do PT se manifestou contra a homenagem e protestou contra o fato de os parlamentares petistas terem votado a favor. O protesto recebeu apoio do Núcleo Américo Barreira, organizado dentro do PT Ceará, que divulgou nota nesta sexta-feira com o título: "Torturador merece repúdio, não título". Ao mesmo tempo a sessão que entregou o título foi presidida pelo deputado estadual Acrísio Sena (PT). As manifestações de protesto ocorreram após a entrevista, razão pela qual a pergunta sobre o assunto não foi feita ao secretário.
Mauro, por outro lado, aponta a queda nas mortes ocorridas dentro dos presídios. De 2013 a 2018, foram mais de 200. Desde 2019, segundo a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), foram 5.
Na conversa com O POVO, o secretário enfatiza que o que ocorreu foi que o Estado assumiu o controle dos presídios. E reforçou um discurso de defesa da educação e da qualificação profissional como forma de reinserção dos presos na sociedade.
O POVO - O Ceará vai zerar o analfabetismo no sistema prisional?
Mauro Albuquerque - Este ano ainda. No começo de janeiro de 2022 a gente zera o analfabetismo dentro do sistema prisional. Hoje, praticamente todos os presos analfabetos estão estudando. Nossa capacidade é recorde. Em três meses e meio, a gente consegue fazer a pessoa ler e escrever.
OP - O senhor falou do discurso sobre quem hoje está preso, mas depois retornará ao convívio em sociedade. Qual o impacto se percebe ao propiciar esse início de educação?
Mauro - Significa que muitas vezes a pessoa vem pro sistema prisional porque não teve educação, porque não teve uma capacitação, porque não tinha emprego. Enveredou para o crime. O que nós estamos fazendo é justamente dando a possibilidade de condições de educação. Capacitação, uma profissão com padrão Senai, para que ele não retorne mais para o crime. Saia com mais condições reais de não retornar para o crime.
OP - O senhor lembrou quando chegou aqui, na intervenção federal em 2016. O que mudou de lá para cá?
Mauro - Teve que mudar tudo, né? Teve que mudar tudo. Toda uma concepção de trabalho foi montada em cima. Foram criados procedimentos e rotinas carcerárias para poder dar mais segurança para o pessoal que trabalha lá, os policiais e os próprios presos. Para você ter ideia, um dado: de 2013 a 2018, morreram 208 presos. Em 2019, morreram dois. Em 2020, nenhum. Em 2021, estamos investigando um (Os números da SSPDS, no fim dessa matéria, apontam 211 presos mortos de 2013 a 2018. Em 2019, são 3, em 2020, 1, e mais 1 em 2021). Então, isso é a importância. Quando o Estado assume, você oferece mais segurança. Como vários presos falaram para mim: "Hoje eu estou seguro. Hoje eu estou livre dentro do sistema." Depois que foi assumido o controle pelo Estado.
OP - O que significa o Estado ter assumido o controle?
Mauro - O problema era que o Estado não tinha uma dinâmica de trabalho e de controle. Ou seja, os policiais não tinham armas pra poder fazer o treinamento, fazer segurança, escolta, não tinha viaturas. O governador equipou o pessoal e investiu pesado no sistema prisional e a gente fez a gestão.
OP - Quando o governador tomou posse, no primeiro mês, o senhor não estava aqui ainda, ele dizia o seguinte: "A gente tem os chefes do tráfico todos presos no Ceará, mas eles estão comandando o tráfico de dentro do presídio." Isso ainda acontece?
Mauro - De jeito nenhum, nem celular eles têm. Nem celular eles têm. Hoje eles estão isolados. Antes era bônus fazer parte do crime organizado e ser liderança. Hoje é só ônus. A gente segue a lei, todo o rigor da lei.
OP - O que o senhor viu das facções no Ceará é diferente da dinâmica de outros estados?
Mauro - Como eu sempre disse, no primeiro dia em que eu assumi: eu não reconheço facção. Não é que ela não exista. Eu não reconheço facção. Quem manda é o Estado. Não tem poder de crime que resista à força do Estado.
Mortes em presídios no Ceará
2013: 13
2014: 36
2015: 25
2016: 50
2017: 38
2018: 49
2019: 3
2020: 1
2021: 1*
Até novembro
Fonte: Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS)
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