O áudio do ex-ministro Milton Ribeiro, no qual ele relata à filha um comprometedor telefonema do presidente da República, é devastador para Jair Bolsonaro (PL). Obstrução de Justiça é dos crimes mais graves que existem, ainda mais a alguém na posição dele. Foi por isso que caiu Richard Nixon, nos Estados Unidos. O ex-ministro foi flagrado dizendo que o presidente relatara a ele “pressentimento” de que haveria busca e apreensão contra o ex-auxiliar. Isso aconteceu dentro de poucos dias.

“Hoje o presidente me ligou. Ele está com pressentimento novamente de que eles podem querer atingi-lo através de mim, sabe. (...) Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão... em casa…”

O diálogo de Ribeiro com a filha demonstra autenticidade. Inclusive quanto à preocupação ao saber que a ligação era de um “celular normal”. Portanto, sem criptografia — passível de ser interceptado. “Pai, essa voz não é definitiva. Eu não sei se ele tem alguma informação. Eu tô te ligando no meu.. eu tô ligando no celular normal, viu, pai”, disse ela, ao se dar conta da gravidade do relato. O ex-ministro, então, encerra o assunto. “Ah é? Ah, então depois a gente se fala então! Tá?” Não sem antes reforçar um aspecto: “Pressentimento... Ele falava em pressentimento e tal. Ele tava viajando aos Estados Unidos.”

Não há qualquer sinal de que o ex-ministro poderia estar mentindo para incriminar o presidente. Bolsonaro de fato estava em viagem aos Estados Unidos na data. E houve mesmo busca e apreensão.

Em outra conversa interceptada, a esposa do ex-ministro, Myrian Ribeiro, confirmou que houve vazamento. "Ele estava, no fundo, ele não queria acreditar, mas ele estava sabendo. Eu falei: 'Pra ter rumores do alto é porque o negócio já estava certo'", disse ela. Não, não era pressentimento, era vazamento de operação policial. Um escândalo.

Trata-se de fornecer informações sobre uma investigação a alguém suspeito num esquema de corrupção, favorecimento no direcionamento de verbas e pedido de propina até em ouro. E que já mencionava que a orientação havia partido de Bolsonaro. O inquérito foi remetido de volta ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Pouco antes de as revelações serem tornadas públicas, Bolsonaro anunciou que o valor do Auxílio Brasil será ampliado de R$ 400 para R$ 600, mas não se deu o trabalho de explicar como isso será feito, a menos de 100 dias para eleição. Antes de ser eleito, o hoje presidente repudiava esse tipo de benefício, mas agora se agarra a ele em seu pior momento.

Pressentimento

O Brasil passa a conhecer o lado sensitivo do presidente. Essa é nova. Quando Ribeiro, ao se despedir da filha, retoma o que havia dito no início, que se tratava de pressentimento, fica claro acreditar haver uma espécie de álibi. Alguém como Bolsonaro, que já admitiu ter uma estrutura de “inteligência paralela”, não se move por pressentimentos. Houve vazamento.

Porém, mesmo que não fosse. Caso se tratasse de pressentimento, por que Bolsonaro haveria de alertar a um investigado pela Polícia Federal? Por que informaria de uma busca e apreensão, se não para que tomasse cuidados? Eventualmente, sobre o que poderia ser encontrado. Alertar a investigados por corrupção sobre possíveis ações das autoridades, mesmo que por intuição, não é papel de presidente da República.